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Thaís Oyama

Por que o repórter despertou os instintos mais primitivos de Bolsonaro

Colunista do UOL

24/08/2020 10h22

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Um jornalista do Globo perguntou ao presidente Jair Bolsonaro por que Fabrício Queiroz havia depositado cheques na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

O presidente não respondeu — em vez disso, declarou que a sua vontade era encher a boca do repórter com uma porrada.

A oposição passou o domingo atazanando os ouvidos do ex-capitão com a pergunta que, sabe-se agora, desperta os seus instintos mais primitivos.

A espuma do fim de semana deve se dissolver em breve nas brumas da internet. A oposição enfatizará mais esse arroubo autoritário de Bolsonaro. Aliados o defenderão com os argumentos de sempre (a imprensa persegue o presidente, sua resposta foi apenas "humana" e autêntica). E os que não são uma coisa nem outra ignorarão o assunto porque têm outras prioridades.

Ainda assim, o episódio já deixou suas marcas.

Em fase de silêncio obsequioso, o presidente tentava fazer esquecer que suas convicções democráticas não passam do rés do chão e que qualquer ventinho de contrariedade lhe dá vontade de ir às vias de fato com a imprensa, defender o fuzilamento de adversários, fechar o Congresso, "dar o golpe no mesmo dia", intimidar o Supremo com ameaças de "ruptura institucional" e berrar que "acabou, porra".

Ethos bolsonarista

A declaração de domingo, mastigada com o ricto do ódio, lembrou aos quase esquecidos qual é mesmo o ethos bolsonarista.

A segunda marca, que nem a volatilidade das redes sociais será capaz de fazer evaporar, é na verdade uma constatação.

Ao reagir como reagiu à pergunta do repórter, o presidente involuntariamente ajudou a consolidar o fato de que o "escândalo da rachadinha" há muito deixou de ser um problema de Flávio Bolsonaro.

Iceberg navega em rota de colisão

O cheque de R$ 24 mil depositado por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, revelou-se a ponta de um iceberg que não para de se expandir.

E lança fundamentadas suspeitas de que o presidente da República, assim como seu filho Flávio Bolsonaro, tinha o hábito de usar o salário de servidores para pagar despesas da sua família quando era deputado federal — ao que há muito se dá o nome de desvio de dinheiro público.

Perguntas inconvenientes como o do repórter de O Globo despertam os instintos mais primitivos do ex-capitão porque desfazem o mito de que a rachadinha é um "caso de Flávio Bolsonaro". E a desconstrução de mitos é o que há de mais perigoso para o presidente.