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Thaís Oyama

Bolsonaro se meteu numa sinuca de bico ao descartar "vacina chinesa"

Disputa política em torno de vacina pode dividir o Brasil entre imunizados de São Paulo e não imunizados do resto do país -                                 MARCELO CAMARGO/AGêNCIA BRASIL
Disputa política em torno de vacina pode dividir o Brasil entre imunizados de São Paulo e não imunizados do resto do país Imagem: MARCELO CAMARGO/AGêNCIA BRASIL

Colunista do UOL

22/10/2020 11h58

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Jair Bolsonaro tentou vestir um santo e desvestiu outro.

Há pouco, o presidente apanhou dos seus como nunca por indicar para o STF um juiz elogiado por expoentes da esquerda e do Centrão, além de apadrinhado pelos ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

E foi principalmente por causa dessa surra, e para não estragar mais ainda o humor dos seus seguidores nas redes sociais, que ele preferiu desautorizar e humilhar mais um ministro do seu governo, o general Eduardo Pazuello.

Só que ao bradar que, ao contrário do que havia anunciado o general, o governo não comprará a "vacina chinesa", o presidente esqueceu-se de considerar a reação dos que não veem no país fabricante da Coronavac a quintessência do demônio.

Para além da bolha ideológica do ex-capitão, há brasileiros que consideram apenas constrangedora a tese olavo-bolsonarista de que a China inventou o coronavírus para vender vacinas —e outros que simplesmente não entendem a implicância do presidente para com o país que fabrica o tênis que eles calçam, a camiseta que vestem e o celular que compraram com muito gosto.

A AP Exata, consultoria de dados digitais, mostrou que a crise da vacina fez o índice de confiança no presidente desabar dez pontos e o de aprovação cair seis, em 24 horas (hoje Bolsonaro está com 45 pontos de aprovação, o que significa que recuperou dois desde ontem).

Para Bolsonaro, pior que não encontrar eco para as suas teorias conspiratórias foi o fato de deparar com a franca desconfiança de que toda a balbúrdia em torno da vacina chinesa se destinava, na verdade, a evitar que o governador de São Paulo, João Dória, levasse vantagem com o imunizante.

Em outras palavras, para muita gente, Bolsonaro se recusa a comprar a vacina que se encontra no estágio mais avançado de testes e que até agora mostrou índices de segurança satisfatórios porque coloca acima dos interesses da população os seus próprios - neste caso, o de não dar palanque a um adversário político.

Se a vacina de tecnologia chinesa seguir o curso esperado, estará à disposição da população de São Paulo em janeiro. Neste caso, não havendo iniciativas de compra do imunizante por parte de outros estados, os brasileiros não governados por Dória ficarão sem a possibilidade de ser imunizados até que outra vacina do agrado de Bolsonaro fique pronta.

Políticos já cogitam a possibilidade de que, para livrar-se dessa sinuca de bico, Bolsonaro tente interferir na Anvisa de modo a "segurar" a liberação da Coronavac até que outra marca se apresente.

Mas isso seria irresponsável demais até para os padrões do presidente.

Seria mesmo?