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Thaís Oyama

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Com ação 'preliminar', Aras pode estar enrolando não STF, mas Bolsonaro

Augusto Aras e Jair Bolsonaro: resistirá esse amor ao segundo mandato?  - Reuters
Augusto Aras e Jair Bolsonaro: resistirá esse amor ao segundo mandato? Imagem: Reuters

Colunista do UOL

17/08/2021 11h30

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Augusto Aras jurou a Cármem Lúcia que irá investigar o presidente Jair Bolsonaro "preliminarmente".

O Procurador-Geral da República só fez a promessa depois de levar um puxão de orelhas da ministra do Supremo. Cármem Lúcia ficou agastada com a demora do PGR em se manifestar sobre a notícia-crime apresentada por deputados do PT depois que Bolsonaro usou uma TV pública para disseminar mentiras sobre as urnas eletrônicas. A ministra deu 24 horas para o PGR responder se iria ou não investigar o presidente.

"Preliminarmente", respondeu Aras.

Por todos os serviços que o Procurador-Geral da República prestou a Bolsonaro desde que assumiu o cargo, e por todos os que deixou de prestar ao país no mesmo período, é alta a probabilidade de que a resposta do PGR seja mais uma tentativa de ganhar tempo e enrolar a ministra e o STF.

Outra possibilidade é de que Aras pretenda enrolar Jair Bolsonaro.

O presidente da República anunciou há um mês sua intenção de reconduzir o apadrinhado para a chefia da Procuradoria-Geral da República. Aras queria mesmo era ser conduzido para a vaga de Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal, mas, para essa, Bolsonaro preferiu indicar outro afilhado, o ex-advogado-geral da União André Mendonça.

Sendo assim, mais dois anos à frente da PGR pareceu de bom tamanho para Aras. Nesse período, na qualidade de chefe do Ministério Público Federal, ele manterá nas mãos o destino de toda autoridade que colida com a lei e detenha prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal —o que inclui senadores, deputados federais e o presidente da República. Para ter a certeza de que seguirá refestelando-se em tão poderosa cadeira terá de aguardar apenas mais um pouco. Precisa antes ser submetido a uma sabatina da Comissão de Constituição e Justiça do Senado e ter seu nome confirmado pelo plenário da Casa, o que não ocorrerá antes de setembro, quando vence o prazo do seu atual mandato.

Tudo transcorrendo dentro da normalidade — ou seja, Bolsonaro não mudando de ideia e o Senado não criando óbices para a sua aprovação— Aras pode ingressar numa nova fase.

Ao menos assim fizeram seus dois últimos antecessores.

Roberto Gurgel, nomeado pelo ex-presidente Lula em 2009, mudou da água para o vinho ao ser reconduzido ao cargo por Dilma Rousseff em 2013. Pouco a pouco, foi se transformando em peça principal de acusação dos réus petistas do mensalão, até pedir, no julgamento no STF, a condenação de 36 nomes e a prisão imediata de alguns, a começar pelo ex-ministro da Casa Civil, o grão-petista José Dirceu.

O mesmo roteiro seguiu o sucessor de Gurgel, o também ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Nomeado e reconduzido por Dilma, Janot acabou por incorporar o figurino de carrasco da Lava Jato e em 2017 apresentou denúncia contra os dois ex-presidentes petistas, além de cinco ex-ministros e um ex-tesoureiro do partido. Lula, escreveu Janot, foi o "grande idealizador" da organização criminosa que desviou dinheiro da Petrobras.

Assim como ministros do Supremo, procuradores-gerais da República tendem a agradar seus padrinhos num primeiro momento — tanto mais diante da possibilidade de serem por eles reconduzidos ao cargo. Isso feito, porém, reza a natureza humana que a vontade de agradar se desloque da pessoa do padrinho para os olhos de seus pares e da opinião pública. Não há terceiro mandato para procuradores. A partir do segundo, resta a eles apenas o que escreverem em suas biografias.

Bolsonaro é hoje um presidente com mais chances de perder a eleição do que ganhar. E setembro está logo aí.

Pensando nisso, Augusto Aras cofia a barba. Melhor fazer uma investigação preliminar.