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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Daniel Alves se iguala a Robinho ao alegar sexo consensual em estupro

O jogador Daniel Alves - Hector Vivas - FIFA/FIFA via Getty Images
O jogador Daniel Alves Imagem: Hector Vivas - FIFA/FIFA via Getty Images

Colunista do UOL

23/01/2023 12h49

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Depois do vexame brasileiro na Copa do Mundo, o decadente futebolista canarinho Daniel Alves tirou férias em Barcelona, onde teve carreira profissional vitoriosa.

Numa boate, com local apartado para famosos e endinheirados, Daniel Alves estuprou e agrediu uma jovem de 23 anos no dia 30 de dezembro.

A mulher em prantos, ao deixar o banheiro onde foi violentada e, numa linguagem futebolística, "coberta de porradas" por se recusar a praticar ato libidinoso, foi aconselhada a procurar por socorro policial.

Realizou isso logo depois e, mediante requisições oficiais, submeteu-se a exames médicos e laboratoriais, com resultados positivos para estupro violento e lesões corporais em outras áreas do corpo.

Segundo os jornais e pelas provas colhidas, incluída a pericial física e a laboratorial, a juíza espanhola de instrução decretou, fundamentadamente, a prisão preventiva de Daniel Alves.

Antes da prisão, o jogador negou os crimes. Disse não conhecer a jovem e nunca ter tido contato com a mesma. Acenou com a probabilidade de "armação", dada a sua condição de famoso e rico.

Depois de preso, retratou-se. Mudou versão, como muda da camisa de treino para a de jogo. Ele abraçou a tese jurídica comum aos indignos. Ou seja, não houve estupro, mas sexo consentido. Com a retratação, pisou na bola. Passou recibo de mentiroso. Volto à linguagem ludopédica: 'não teve culhões'.

A mudança de versão deve ter decorrido de alerta da existência de câmeras de filmagem em toda a boate. Segundo jornais espanhóis, Daniel Alves permaneceu no banheiro com a vítima por 15 minutos.

As imagens foram encaminhadas à juíza de instrução preliminar, que decretou a prisão preventiva. Para operadores do Direito espanhol, será difícil a Justiça trocar a prisão por uma medida cautelar de soltura, com obrigação de comparecimento a todos os atos processais por parte de Daniel Alves.

Daniel Alves trocou a negativa absoluta pela surrada tese da anuência da mulher. No particular, jogou igual a Robinho, que, em boate de Milão, estuprou e, numa mulher em estado de inconsciência por embriaguez alcoólica, impôs a "fellacio in ore".

Robinho, no processo judicial, disse ter havido sexo consentido. Sem saber, em escuta ambiental plantada pela polícia italiana, com autorização judicial, em automóvel de um seu amigo, admitiu o crime. E gabou-se: "Não vai ter prova, pois ejaculei na boca da mulher". A vítima, pelo trauma, levou alguns dias para se submeter a exame médico-legal.

Só para lembrar, Robinho encontra-se definitivamente condenado e está escondido no Brasil, cuja Constituição não admite a extradição do brasileiro nato.

O estupro —que neste caso se deu na forma de conjunção carnal violenta a atentar contra a liberdade sexual da mulher em escolher o parceiro— sempre foi crime vil, cometido por quem não tem dignidade. No popular, por pessoa que "não vale o feijão que come".

Quando Roma era a "caput mundi" (capital do mundo), o estupro era punido com pena de morte. Pena de morte expressa na denominada Lex Julia.

A pena de morte, por inspiração romana, continuou a ser imposta ao estuprador na Idade Média. Nas Ordenações Filipinas, vigorantes no Brasil, o estuprador recebia a pena capital.

Hoje, o estupro é crime hediondo, inafiançável. Não fosse o STF a aliviar, a pena seria inteiramente cumprida em regime fechado.

Até 2009, o Código Penal brasileiro tratava o estupro como crime contra a liberdade sexual da mulher. Só a mulher poderia ser vítima de estupro. Como ensinava o saudoso criminalista e professor Heleno Cláudio Cardoso, a tutela à mulher decorria da sua livre disponibilidade do corpo em matéria sexual.

O direito de a mulher escolher o parceiro também é reconhecido pela lei criminal da Espanha. Na última mudança legislativa brasileira, ao assemelhar o estupro ao atentado violento ao pudor, o crime virou único.

Daniel Alves, ao se retratar, não mantendo a palavra inicialmente dada e, ao utilizar da surrada tese de relação sexual consentida, terá, segundo a prova existente e a decisão da juíza, o encargo de comprovar o seu relato em um futuro processo judicial.

Episódios imorais e antiéticos —em tempo em que as mulheres, legitimamente e à luz do Direito Natural, lutam pela real igualdade (não apenas igualdade formal, que constitucionalmente existe no Brasil e Espanha)—, os casos Robinho e Daniel Alves (este a se apurar no devido processo legal) levam ao jus-filósofo alemão Rudolf Von Ihering, falecido em 1892.

Ihering escreveu a monumental obra intitulada A Luta pelo Direito. Ele ressaltou ter escrito a obra para leigos. Na apresentação da obra, recomenda a todos, ou melhor, a todos, todas e todes: "Não deixeis impunemente calcar o vosso direito aos pés de outrem".