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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que após perda de foro Bolsonaro ainda pode ser julgado pelo STF

O ex-presidente Jair Bolsonaro - Reuters
O ex-presidente Jair Bolsonaro Imagem: Reuters

Colunista do UOL

11/02/2023 16h08

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Dizia um saudoso jornalista esportivo que uma coisa é uma coisa, outra, é bem diferente.

Muitos entendem que se criou um foro para proteger os donos do poder —os políticos, magistrados, governadores, prefeitos, etc. Teria sido feito um "arranjo", um "inciucio", como se diz na política italiana —a partir de uma expressão napolitana—, quando se quer ajeitar situações.

Não é isso, tem lógica o foro por prerrogativa de função. Protege-se a função, e não a pessoa.

Várias constituições de países de primeiro mundo adotam a blindagem da função. Daí, por exemplo, o desespero de Benjamin Netanyahu, o apelidado Bibi, para voltar —e logrou êxito, ao cargo de primeiro ministro, diante de acusações de corrupção.

A nossa lei processual penal não usa o termo foro privilegiado, mas foro por prerrogativa de função. Volto a frisar: protege-se o prestígio da função e não a pessoa que temporariamente ocupa o cargo.

Volto a frisar. Fora do mundo jurídico e em razão do tal foro privilegiado, fala-se —em todos os botequins e nas sedes das torcidas futebolísticas organizadas— que aí está, de maneira descarada, o tratamento diferenciado. Na técnica jurídica constitucional e processual penal, não cabe tamanha certeza.

Todos são iguais perante a lei, diz a nossa e outras constituições civilizadas e republicanas. O foro privilegiado não mira na pessoa, portanto, não privilegia a pessoa. Por exemplo, o presidente da República é órgão, — e não agente—, do Poder Executivo. Os ministros do STF e os magistrados da ativa são órgãos do Poder Judiciário.

Então, a regra de que todos são iguais comporta exceção, para não exposição da função pública. Atenção mais uma vez: protege-se a função e não a pessoa. Por isso que terminado o mandato, ou ocorrendo a aposentadoria, finda o foro por prerrogativa de função.

Bolsonaro não tem mais mandato e nem função pública a ser protegida por especial foro.

Daí, corretas, à luz da Constituição, as decisões dos ministros do STF Carmem Lúcia, Edson Fachin e Luiz Fux, com determinação de envio de autos de investigações criminais para juízes de primeiro grau de jurisdição. A competência é deles, ou melhor, da Vara que cair, por sorteio.

A pergunta que está sendo feita, diante das decisões de Carmem Lúcia, Fachin e Fux é se o ministro Alexandre de Moraes mudará entendimento: será?

Moraes tem mantido a sua competência a respeito dos fatos referentes ao inquérito judicial do STF e aos atos terroristas e golpistas a partir de 8 de janeiro: em colunas anteriores, apontei a tipificação no direito internacional e no nacional sobre o crime de terrorismo.

Relativamente aos atos golpistas e terroristas de 8 de janeiro e ao inquérito judicial, com fakenews e ofensas ao STF e ministros, a questão da competência de Moraes vem sendo tratada como de foro em "razão da matéria". Da matéria em jogo.

Em sessão plenária, os ministros do STF ratificaram a portaria do ministro Dias Toffoli, então presidente, a abrir o mencionado inquérito judicial e designar Moraes para presidi-lo.

Quanto aos atos golpistas e terroristas, Moraes invocou o poder de polícia previsto no Regimento Interno do STF. Sua competência, segundo apontou, decorre daí.

Com efeito. Incontestáveis as decisões de Carmem Lúcia, Facchin e Fux. Mas, e como ensina a sabedoria popular, "uma coisa é uma coisa, outra coisa, é outra".

Diante disso, caberá ao plenário do STF decidir se mantém a competência de Moraes em razão das matérias: atos golpistas, terroristas e os elencados no inquérito judicial. E Bolsonaro —cuja corresponsabilidade está mais visível que a torre Eiffel na estação do verão, com céu azul sem nuvens e sol a pino, no zênite— poderá continuar sob a jurisdição do STF.

Pano rápido. Importante realizar as distinções, antes que as redes sociais colem em Bolsonaro a figura de perseguido, isto se o STF mantiver a competência pela matéria,