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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Uso abusivo de cartão corporativo por Bolsonaro tem que ser investigado

Bolsonaro gastou ao menos R$ 697 mil em campanha com cartão corporativo - JOE SKIPPER/REUTERS
Bolsonaro gastou ao menos R$ 697 mil em campanha com cartão corporativo Imagem: JOE SKIPPER/REUTERS

Colunista do UOL

13/02/2023 14h43

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Em 1889, o Brasil deixou o sistema imperial e adotou a república como forma de governo.

Por decorrência, teria nosso Estado nacional de abraçar os princípios republicanos fundamentais: a soberania popular, os mandatos eletivos por tempo determinado, a natureza representativa do regime e, nas eleições. a igualdade entre os concorrentes.

Estabelecer a chamada par condictio, a igualdade, foi o primeiro problema da nova república. E está Bolsonaro a escancarar a quebra do pilar republicano da igualdade, com a ilegal, imoral e abusiva utilização de cartão corporativo para fim eleitoral.

Quando da proclamação da República pelos militares, não existia a igualdade formal dos candidatos perante a lei. Isto porque herdamos do Império o clientelismo, o argentarismo (poder do dinheiro), a força das oligarquias.

Na república iniciada, a plutocracia (mais ricos têm o poder político e econômico) tirava a legitimidade dos mandatos eleitorais.

Das listas de votações constavam assinaturas até de pessoas mortas. Em outras palavras, até os defuntos votavam, como se vivos fossem.

Além de morto votar, competia ao mesário eleitoral atestar a presença do eleitor e, aí, a fraude corria solta. A ausência virava presença. A presença imaginária era certificada e o fraudado voto registrado à tinta no papel. Os mesários usavam, como caneta, um bico de pena. Os livros de História falam de escrituração de "voto a bico de pena".

O voto não era secreto. O eleitor dizia o nome do seu candidato ao mesário. Virava as costas e ia embora. Então, o mesário anotava o nome que desejava.

Para moralizar, legitimar e fazer vingar a igualdade entre os concorrentes, ou melhor, acabar com os abusos do poder econômico e político, o Brasil criou a Justiça Eleitoral. Ela nasceu com o decreto de número 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 e ingressou na Constituição de 1934. Justiça Eleitoral e voto secreto foram os primeiros passos.

Na ditadura Vargas e por razões óbvias, a Justiça Eleitoral foi extinta. Voltou em 1945. E retornou com a permanente dificuldade em manter a igualdade entre os concorrentes.

Numa imagem e como acontece no esporte a impedir a dopagem do atleta, a Justiça Eleitoral tem, na repressão ao abuso do poder econômico e político, sua tarefa fundamental.

Numa democracia —que Abraham Lincoln definiu como governo do povo, pelo povo e para o povo—, não cabem mandatários (representantes) eleitos por distorções e abusos. Quebra-se a par condictio entre os concorrentes, competidores em eleições.

Reportagem do UOL aponta para abusos do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Com verba pública disponibilizada com cartão de crédito presidencial, verificou-se a quebra aos princípios da moralidade pública e da paridade entre candidatos.

Atenção. Não interessa ter Bolsonaro perdido as eleições. Não interessa, pois o uso abusivo e proibido ficou caracterizado. O abuso de poder não se apaga com a derrota, pois os abusos verificados, bem mostrados na reportagem do UOL, atentam contra princípios republicanos básicos, vitais, acima enunciados.

A legislação eleitoral coloca à disposição, em face de abusos econômico e político, a ação de investigação judicial eleitoral. O problema é só poder essa ação ser ajuizada, proposta, até a data da diplomação ( artigo 22 da LC 04/1990). Depois, ocorre a chamada preclusão.

Fora do âmbito eleitoral, e pela violação à moralidade pública, temos a ação de improbidade administrativa. Como resumiu o ministro Luiz Fux do STF, "o objetivo da Lei de Improbidade Administrativa é punir o administrador público desonesto".

No caso, deve-se apurar os desvios de Bolsonaro. Ele usou, abusiva e descaradamente, o cartão corporativo para bancar, em parte, a sua campanha à reeleição. Bolsonaro sacou de verba pública, cuja destinação não poderia atender ao interesse privado de candidato a cargo público.