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Wálter Maierovitch

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Aras denunciou golpistas do 8/1 seguindo contorcionismo inventado pelo STF

Colunista do UOL

08/02/2023 08h35Atualizada em 08/02/2023 11h44

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Em novos panos de democrata, o procurador-geral da República Augusto Aras vem denunciando às pencas os golpistas que promoveram os atentados de 8 de janeiro passado, em Brasília.

Dos cerca de 700 denunciados criminalmente, nenhum foi acusado de crime de terrorismo, apesar de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) terem, acertadamente, falado de atos delinquentes de terroristas. Mas Aras passou o pano e não considerou essa tipificação criminal para análise pelo STF.

A pergunta que não quer calar diz respeito sobre o motivo e a razão legal para Aras ter proposto ações penais junto ao STF.

Afinal, nos diretórios acadêmicos e nas torcidas organizadas futebolísticas, nenhum, dentre os denunciados, tem direito ao tal foro privilegiado no Supremo —a denúncia é o nome dado à petição inicial da ação penal pública.

Aras também não apontou conexão ou continência probatória da "escumalha bolsonarista" (termo usado pelo ministro Celso de Melo), de modo a uni-los aos peixes grandes, daqueles que só caem em redes de "águas supremas".

Como regra, os peixes grandes (detentores de foro privilegiado) atraem os cardumes de bagrinhos (sem foro por prerrogativa) para o tecnicamente chamado "simultaneus processus".

Mistério? De jeito algum

Puro contorcionismo jurídico, do porte de um imaginário e supremo "Cirque du Soleil" judiciário.

Com a porcaria, ops, ops, com a portaria "tofoliana" do STF criadora da excrescência jurídica chamada "inquérito judicial", que além de inconstitucional contraria a lógica jurídica do processo como ato de três sujeitos diversos (juiz, acusador e réu), nasceu a competência em razão da matéria ("ratione materie": como o nosso Direito tem origem romana e lá prevalecia o latim, convém usar o ea quivalente, para melhor explicar).

No caso dos atos terroristas contra a sede do STF, o ministro Alexandre de Moraes foi, no contorcionismo, buscar coreografia no artigo 43 do Regimento Interno do Pretório Excelso.

O regimento prevê o poder de polícia das sessões de julgamento. Por exemplo, se Fátima de Tubarão, numa sessão pública de julgamento, passasse a se exprimir de forma obscena, com turpilóquios contra os ministros do STF, seria presa em flagrante, por voz de prisão do presidente ou de qualquer ministro. Tudo com base no poder de polícia da sessão, previsto no regimento.

O ministro Moraes esticou, torceu, o entendimento interpretativo, com uma mão no Regimento Interno e outra na estrela de xerife. Deu uma contorcida, e o STF virou competente —embora o prédio estivesse vazio— para apurar, processar e julgar.

Lógico, o contorcionismo, no caso dos ataques terroristas executado por pessoas usadas pelo iliberal bolsonarismo como massa de manobra, contraria a lei processual. Atenção: também o princípio constitucional do juiz natural.

Diante de tanta gente denunciada, claro fica não possuir o STF estrutura e recursos humanos para a tarefa decorrente do contorcionismo jurídico executado.

Outra interpretação a esquecer o referido Regimento Interno pode acontecer? Sim, pode suceder. Aliás, deveria, diante da lei processual e do princípio constitucional do juiz natural.

Mas, para não torcer o braço e voltar atrás, tudo poderá ficar no STF.

Nessa hipótese de permanência, será expedida a chamada carta de ordem a Tribunais. E os Tribunais cumprirão a ordem, com designações de juízes de primeiro grau para colher a prova oral: testemunhos e interrogatórios.

Pano rápido: diante de contorcionismos jurídicos, recomenda-se como música de fundo a triste Missa de Réquiem, de Giuseppe Verdi.