Ministro Moraes e a maconha fêmea de princípio psicoativo 'perturbador'
O historiador Heródoto, no século 5º a.C., escreveu sobre o uso ritual de uma erva em rituais fúnebres. O cadáver ficava exposto numa tenda fechada, a erva era queimada e os presentes inalavam a fumaça. Isso, conforme o historiador, aplacava a "dor da alma". Presume-se tratar-se de erva canábica fêmea e não de macha.
Na cidade holandesa e universitária de Utrecht foi, em 1964, aberto o primeiro café com permissão para a venda e uso no local de até meio quilo diário de maconha fêmea. O nome era Coffeeshop Sarasani.
Na própria Holanda inaugurou-se a primeira Feira da Maconha, com agricultores a ensinar sobre o cultivo da maconha fêmea e a vender sementes selecionadas e lâmpadas para acelerar as produções.
Tal quadro chamou a atenção de um jurista e desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, magistrado de carreira, estudioso e pesquisador cuidadoso. Por volta dos anos 80, o referido desembargador, Geraldo Gomes, impactou o órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo e os seus colegas de toga preocuparam-se. Era tempo em que fumar maconha consumava crime e considerava-se o usuário pária social.
Geraldo Gomes, na ocasião, absolveu vários réus acusados de porte de droga para uso próprio e também alguns vendedores de maconha em bares e esquinas da capital paulista.
No seu voto, o mencionado desembargador não aceitava os laudos químico-toxicológicos oficiais, todos impressos e padronizados. Em nenhum desses laudos, frisava o desembargador Geraldo Gomes, os peritos esclareciam se a maconha apreendida e examinada era fêmea ou macha.
Com base em trabalhos científicos, Geraldo Gomes alertou que apenas a maconha fêmea gerava efeito perturbador no sistema nervoso central. A erva canábica macha, pelo tetrahidrocanabinol (THC) de baixo potencial, não causava os efeitos perturbadores.
No popular, apenas a fêmea causava barato. A outra, a erva canábica macha, era inócua para ser considerada entorpecente, termo usado na então lei em vigor.
Sem prova da materialidade delitiva, por meio de laudo químico-toxicológico válido, o voto do desembargador Geraldo Gomes concluía pela absolvição.
Para os que agora pensam em consultar a Revista dos Tribunais, este colunista já adianta ter sempre o desembargador Geraldo Gomes ficado vencido nos julgamentos e os laudos impressos e padronizados eram aceitos para provar a existência, na droga apreendida pela polícia, do princípio ativo eficaz.
Ontem, na sessão de julgamento do STF e em prosseguimento àquela suspensa em 19 de agosto de 2015, o ministro Alexandre de Moraes propôs, no seu voto, a liberação, para uso lúdico-recreativo, da maconha fêmea. E, também, o plantio para fins lúdicos-recreativos de seis pés de maconha fêmea. Na Holanda, primeira a colocar fim às políticas proibicionistas, admite-se o plantio de até cinco pés para uso terapêutico ou consumo pessoal, lúdico-terapêutico.
Só a maconha fêmea, com efeito perturbador, produz o chamado botão, onde estão as propriedades do tetrahidrocanabinol com potencialidade para afetar o sistema nervoso. O caule é bem mais fino. E a maconha macha é utilizada apenas como sementes e não em cigarros.
Fez bem o ministro Moraes de fazer a observação. Interessante, ainda, terem os botânicos identificado 80 mil plantas no planeta. Apenas 4 mil delas possuem propriedades psicoativas e a maconha é considerada de potencial perturbador.
Constataram ainda os botânicos, relativamente às 4 mil plantas psicoativas, que apenas 60 são utilizadas para tal fim e dentre elas o tabaco, café, chá, a maconha.
Referentemente à maconha, o Marrocos é grande produtor e se tornou, economicamente, dependente da erava canábica, do haxixe e do óleo canábico.
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Quero receberEnquanto houver proibição legal referentemente às drogas, incluída a maconha que é a mais popular e consumida, o tráfico, pelas associações criminosas transnacionais, continuarão a influenciar de 3% a 5% do PIB-planetário.
O STF ensaia bons passos com apoio nos princípios constitucionais. Terá a excelsa Corte de Justiça de ter cuidado para não invadir funções do Poder Legislativo, cujos membros são eleitos pelo povo — os juízes não são eleitos.
Mais ainda, o poder de pressão de religiosos de igrejas obscurantistas e conservadoras, não deverá, espera-se, afetar os ministros do STF, afinal vivemos num estado secular, laico.
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