Wálter Maierovitch

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Opinião

Gleisi tromba com a Justiça Eleitoral, esquece a história e perde força

Gleisi Hoffmann, presidente do PT, deputada federal e advogada de olho em assumir o Ministério da Justiça caso Flávio Dino, atual titular da pasta, seja indicado pelo presidente Lula para vaga a ser aberta no STF (Supremo Tribunal Federal), deu uma pisada feia na bola no campo jurídico.

Com essa pisada na bola, Gleisi perde pontos preciosos na sua pretensão de chegar ao Ministério da Justiça. Quem desconhece a história da Justiça brasileira vira problema, na hipótese de indicação pelo presidente Lula.

A recordar tratar-se o Ministro da Justiça, constitucionalmente, um agente da autoridade do presidente da República.

O vale tudo

Na última reunião da comissão especial voltada a propor um vergonhoso projeto de anistia das sanções eleitorais impostas, em procedimentos administrativos e em processos judiciais, Gleisi, sem mais, opinou pela extinção da Justiça Eleitoral, órgão do Poder Judiciário.

Não bastasse deixou no ar uma indagação: por que, no mundo, só o Brasil possui uma Justiça Eleitoral?

A Justiça Eleitoral, no Brasil, foi uma necessidade.

As eleições brasileiras eram fraudadas: até morto votava. O voto não era secreto. Predominava regionalmente o clientelismo e o coronelismo. As oligarquias davam as cartas e o poder do dinheiro (plutocracia) desequilibrava os pleitos.

Diante desse quadro, o Brasil não era uma democracia e o sistema republicano uma farsa.

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A lei

A solução moralizadora veio com a lei: Justiça Eleitoral e voto secreto.

Os dois vieram juntos. A meta foi restabelecer a democracia e efetivar o sistema representativo, ou seja, a vontade popular.

O legislador ordinário e, logo depois, os constituintes resolveram, legitimamente, especializar a Justiça, diante desse gravíssimo problema de um Brasil apenas nominalmente democrático e republicano.

Cada país escolhe o melhor para os seus nacionais.

Não era solução a manutenção da Justiça comum para cuidar das questões e burlas eleitorais. A nossa opção, dentro da legitimidade constitucional e da legalidade, foi a especialização.

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Já ouvimos a frase "o que é bom para os Estados Unidos, é bom para o Brasil". Saiu da boca do embaixador do Brasil em Washington, o político Juracy Magalhaes. A frase de Gleisi soa de forma semelhante, quando indaga: por que só nós temos Justiça Eleitoral?

Resposta: porque nos convém e a Justiça Eleitoral, na sua história, acabou com as fraudes e o Brasil acabou sendo o primeiro país a adotar um eficiente e seguro sistema de urnas eletrônicas e de totalização dos votos.

Anistia e esperteza

Gleisi, na sua infeliz opinião, demonstrou, do Oiapoque ao Chuí, o seu desconhecimento da história eleitoral brasileira anterior à constituição da Justiça Eleitoral, pelo decreto 21.076, de 24 de fevereiro de 1932 e pela primeira previsão constitucional em 1934.

Mais ainda, o PT de braços dados com o partido liderado pela dupla Bolsonaro-Costa Neto, busca a anistia dos débitos.

Passar o pano nos débitos eleitorais é o norte buscado. Situação e oposição, justos, querem dizer que as normas e as regras do Estado de Direito, para as eleições de 2022, representaram uma brincadeirinha, sem valor algum, pois revogáveis posteriormente.

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Como diversos candidatos e partidos cumpriram a lei e as regras do jogo eleitoral, nem todos abusaram, PT e PL, e partidos que se mantêm na moita, querem, com a anistia, levar vantagem imoral.

E não adianta a anistia. Todo cidadão (cidadão é sinônimo de leitor) sabe que nem tudo que é legal (anistia) é ético-moral.

Partidos e candidatos foram sancionados por infrações tipificadas na legislação eleitoral, ou seja, por leis pré-estabelecidas e integradas ao Estado de Direito. Tiveram prazos para realizar impugnações e oportunidades de reexames por via recursal.

Para Gleisi, as sanções eleitorais são impagáveis e somam R$ 23 bilhões num período de 2018 a 2023. Essa, na sua visão antidemocrática e antirrepublicana, é a fórmula da isenção: abusar e transgredir ao máximo para justificar futura anistia.

A lembrar que uma das funções primordiais da Justiça Eleitoral é estabelecer a igualdade entre os concorrentes.

A quebra da igualdade, a violação à "par condictio" entre os concorrentes, resulta na imposição de multas.

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Também, e por exemplo, os descumprimentos das cotas e da colocação de candidatas fantasmas para violar a constituição e a lei positiva. As cotas para candidaturas de mulheres e negros foram manobradas ilegalmente e multas restaram justas e legalmente impostas.

O cofre

Não se deve esquecer, ainda, a obrigatoriedade das prestações de contas, diante da distribuição de fundos públicos para partidos que, juridicamente, têm natureza privada.

Só o PT, como informou a própria presidente Gleisi e referentemente ao Fundo Eleitoral e o Fundo Partidário, recebeu mais de R$ 600 milhões.

Justiça eleitoral e voto secreto

A presidente e deputada Gleisi Hoffman, que já foi líder universitária, esqueceu uma lição básica, primordial.

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Essa lição veio do saudoso escritor ítalo-hebreu Primo Levi, deportado em 1944 para os campos de concentração e de extermínio do complexo nazista de Auschwitz-Birkenau.

Como sobrevivente, Primo Levi escreveu: "tutti coloro che dimenticano il loro passato, sono condannati a riviverlo" (todos aqueles que esquecem o passado são condenados a revivê-lo).

Gleisi esqueceu ou nunca soube da lição. A Revolução de 1930 e a Constitucionalista paulista de 1932 portavam, dentre das suas razões, o inconformismo com o corrompido e fraudado sistema eleitoral.

O votante comparecia para votar e, mancomunado, apresentava documento de terceiro, até de pessoa falecida. Se aproximava do escrivão designado e a ele cochichava os nomes da sua preferência. Depois disso, virava as costas e saia. Então, o escrivão, com bico de pena molhado em tinta, lançava nos livros de registro eleitoral os nomes que bem entendesse, desrespeitada a vontade do eleitor.

Nesse contexto de fraudes, como acima mencionado, de poder plutocrático e o coronelismo regional, inovou-se e veio a Justiça Eleitoral e o voto secreto, em 1932, frise-se.

À ditadura Getúlio Vargas, e nota-se a falta de originalidade da presidente do PT, não interessava manter a Justiça Eleitoral, que foi extinta pelo ditador, de 1937 a 1945.

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Com o fim da ditadura Vargas, a Justiça Eleitoral restou restabelecida com o decreto-lei 7.586, de 28 de maio de 1945.

Gleisi, que se retratou com a desculpa comum, inconvincente, de não haver sido bem compreendida, perdeu oportunidade de se calar.

A verdade e de ter ela esquecido a história ao se posicionar contra a Justiça Eleitoral. Gleisi olvidou ser a Justiça e o mandado de segurança criações brasileiras e ninguém é estúpido de perguntar por que o mandado de segurança existe no Brasil.

Pano rápido. A Justiça Eleitoral cumpre o seu papel, confere segurança e a igualdade entre os concorrentes. Não é desejável a volta dos tempos passados, da balbúrdia, da fraude à democracia representativa.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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