Wálter Maierovitch

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Opinião

Parlamentares se unem para usurpar poder do STF e cassar decisões da Corte

O STF (Supremo Tribunal Federal) está na alça de mira dos deputados. Tem até emenda para o Poder Legislativo adquirir maior competência e mais poder, de modo a interferir nas decisões do STF.

O parasita da solitária (teníase), a gerar apetite insaciável por verbas públicas do orçamento do Executivo e, agora, submissão do STF, instalou-se na Câmara dos Deputados.

Lula, chefe do poder Executivo da União, já cedeu —em troca de apoio político— à pressão do Legislativo e abriu os cofres aos deputados famélicos por verbas públicas. O Judiciário irá resistir, sem dúvida, e vai precisar da habilidade político-institucional do seu novo presidente, Luís Roberto Barroso.

São Francisco de Assis

Para se ter ideia, até o loteamento de cargos diretivos da Caixa Econômica Federal está apalavrado com o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), de apetite pantagruélico e lombrigas vorazes.

Esse tipo de troca-troca entre Legislativo e Executivo foi recorrente no governo Jair Bolsonaro (PL), e o respeitado jurista Almir Pazzianotto Pinto, em recente artigo no Correio Braziliense, desabafou: "Até quando a nata da vida política, a desiludida juventude, mulheres e homens de bem, consentirão que assim permaneça? É a pergunta que ouço nas ruas por onde passo".

No artigo, Pazzianotto recordou a célebre frase de São Francisco de Assis "é dando que se recebe", desvirtuada pela prática política, consoante certa vez admitiu o já falecido deputado Roberto Cardoso Alves, então nos quadros do PMDB.

O Judiciário não tem verbas a oferecer ao Legislativo. Mas este deseja controlar e reexaminar as decisões do STF. Em outras palavras, quer mais poder para reexaminar e cassar decisões do STF. Já temos bancadas unidas, como a dos ruralistas e a dos religiosos, de braços com parlamentares conservadores e com populistas de plantão.

Exibição de musculatura

No momento, um ativo grupo de deputados está pronto para apresentar e brigar pela aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) para cassar decisões do STF (Supremo Tribunal Federal). Certamente, essa PEC será apelida de emenda constitucional da usurpação.

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Segundo os deputados, diversas decisões do STF violariam a Constituição, a moral e os bons costumes. Tudo, frise-se, seria tratado por PEC, a fugir do veto do presidente da República.

O referido grupo de deputados está furioso porque o STF vem apreciando questões relativas às descriminalizações do aborto e das drogas. A esse grupo, volto a destacar, juntaram-se deputados da chamada bancada ruralista, inconformados com a derrubada do chamado marco temporal nas terras indígenas.

Para empolgar, os inconformados deputados usam surrados argumentos. A começar pela afirmação de a Câmara representar os cidadãos e que restaram eleitos pelo voto livre. Alertam que os 11 ministros do STF não são eleitos pelo voto popular. Lógico, esquecem, e aí está a legitimação, competir a indicação dos ministros do STF pelo presidente da República, eleito chefe da nação.

Outro argumento utilizado centra-se na invasão da competência legislativa, ou seja, o STF teria passado a legislar. A subtrair —alguns usam o verbo furtar— a competência exclusiva do Poder Legislativo federal.

Por enquanto, os deputados mostram os músculos com a obstrução da pauta da Câmara. Em paralelo, o deputado Altineu Côrtes (PL-RJ) propõe a formação de um núcleo institucional para deputados debaterem com ministros do STF as decisões já tomadas. Ou melhor, um núcleo para referendar ou cassar decisões do STF.

Saint-Sulpice Treme

Com apoio na teoria do filósofo inglês John Locke, o jus-filósofo barão de La Brè e Montesquieu, morto em 1775, desenvolveu a teoria da tripartição fundamental dos poderes do estado: Legislativo, Executivo e Judiciário. E alertou para a independência e harmonia entre os poderes.

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Na nossa Constituição existe a separação dos poderes conforme preconizado por Montesquieu e expressamente consta serem os poderes harmônicos e independentes.

A essa altura e dada a intenção de ser criada uma PEC de modo à Câmara reexaminar e cassar decisões do STF, os espólios de Montesquieu, guardados na igreja parisiense de Saint-Sulpice, devem estar a tremer de raiva, pelo besteirol vindo do Brasil.

No nosso sistema, o STF é o intérprete e o garante da integridade constitucional, por cláusula pétrea. Mudar isso, só por uma nova Assembleia Constituinte, nunca por PEC. Essa PEC pretendida representará algo flagrantemente inconstitucional: usurpação, volto a ressaltar.

Por outro lado, a proposta do mencionado Altineu Côrtes nada mais é do que intromissão descabida, ilegítima. Quando a Constituição fala em harmonia, significa em diálogos institucionais, pelos presidentes dos poderes. E diálogo institucional não significa possibilidade de reexame e cassação de decisão do STF, pois aí sucumbiria a independência entre os poderes.

No particular, o deputado Altino Côrtes delirou.

Barroso e o diálogo prometido

Muitas vezes, o STF invadiu, em face de omissão legislativa, o campo de atribuição do Poder Legislativo e, de se pasmar, chegou até a disciplinar o uso de algemas. Mas essa não é a regra. E o Parlamento, caso ocorra intromissão do STF, poderá, por projeto de lei aprovado, colocar as coisas no lugar.

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O atrito entre poderes ocorre quando o STF é provocado a fim de declarar a inconstitucionalidade de normas positivas, como no caso da criminalização do uso lúdico e recreativo de drogas proibidas.

Nesse caso, é uma questão de saúde pública e afeta à liberdade individual, sujeita, portanto, a exame pelo STF, gostem ou não os deputados. E a criminalização é inconstitucional, a caber apenas sanções de ordem administrativas e não criminais. Assim sendo, está sendo legítima a atuação do STF.

A respeito do aborto, o STF também foi chamado a se pronunciar. Por evidente, não pode o STF negar-se a examinar a questão da constitucionalidade. Valores constitucionais fundamentais são afetados por inconstitucional legislação criminalizante do aborto.

Ao derrubar o marco temporal e estabelecer indenizações, nada mais fez o STF do que declarar, à luz da Constituição, a proteção de terras e acabar com a invenção do 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, para aniquilar com direitos de povos originários.

O ministro Barroso, atual presidente do STF, prometeu, na sua posse e na primeira entrevista, buscar o diálogo. Não prometeu Barroso, e nem poderia, abrir mão da independência e da competência do STF.

Barroso apontou uma saída, mas que precisa ser bem compreendida. Disse caber ao Legislativo —e se referia à insatisfação com decisões do STF— usar da competência constitucional e elaborar emendas e leis. Brincou até ao dizer caber ao Parlamento, e não ao STF, a palavra final.

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Por evidente, Barroso não precisou alertar que a aprovação de emendas constitucionais, e de novas leis, estarão sempre sujeitas ao crivo do STF. E uma PEC, como sabe todo operador do Direito, pode ser declarada inconstitucional: inconstitucionalidade dentro da própria Constituição.

Pano rápido

O Legislativo, pelos superpoderes conquistados por Arthur Lira, que foi uma espécie de primeiro ministro no governo Bolsonaro e consegue as chaves de pressão para abrir os cofres com Lula, não está acima dos demais poderes.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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