Wálter Maierovitch

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Opinião

Método terrorista usado na execução dos médicos expõe furo do poder público

Para a Polícia e o Ministério Público do estado do Rio de Janeiro, a mais potente das milícias está localizada na Zona Oeste da capital, no bairro chamado Rio das Pedras.

Atenção: essa milícia do Rio das Pedras tem lucro mensal de R$ 3 milhões só com a exploração do transporte de passageiros por uso de 'vans'. Trata-se de lucro líquido e não de movimentação de capital.

Ainda na Zona Oeste, no bairro de Gardênia Azul, uma outra milícia, que se desgarrou daquela de Rio das Pedras, celebrou, em 2021, um acordo com a potente e difusa associação delinquencial transfronteiriça denominada Comando Vermelho.

Vale dizer: o lucrativo tráfico de drogas ilícitas virou outro produto ofertado, na Zona Oeste, pela milícia da Gardênia Azul e tendo o Comando Vermelho na condição de fornecedor de cocaína, maconha, etc.

Depois do acordo da milícia da Gardênia Azul com o Comando Vermelho, alguns policiais informaram da mudança de quadro situacional: presença de traficantes do Comando Vermelho em atividade criminosa na Zona Oeste carioca.

Agora, o ponto fulcral.

Atacar a economia movimentada é a fórmula de sucesso, em grandes centros urbanos, para contrastar e reprimir as organizações criminosas com controles de território e social. Organizações difusoras do medo à população, que, intimidada e sem se sentir protegida pelo Estado, sucumbe às ordens dadas pela criminalidade..

Nenhuma organização criminosa mantém-se sem dinheiro. E as potentes precisam cada vez mais de capital. Aliás, não dá nem para vender licitamente guloseimas nos cruzamentos das vias de trânsito de veículos sem dinheiro para comprar os produtos de revenda.

Cosa Nostra

Dinamitado pela organização criminosa transnacional denominada Cosa Nostra, o magistrado siciliano Giovanni Falcone deixou, como testamento da sua luta antimáfia, uma lição fundamental, qual seja, o combate ao movimento financeiro.

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"Indebolire", no sentido de debilitar, afetar os cofres, quebrar e falir o crime organizado, era a referida lição e o mantra repetido por Falcone quando esteve em função de magistrado do ministério público italiano e líder do "pool" siciliano antimáfia de Palermo.

Essa lição fundamental de atacar a economia movimentada pelo crime organizado, Falcone ensinou às autoridades norte-americanas. Nos EUA, isso foi levado a sério e foram criadas agências para identificar movimentações suspeitas de capitais sem causa lícita.

Falcone avisou, ainda, a respeito da necessidade de cooperação internacional. Daí, iniciaram-se operações conjuntas, da Itália com o FBI (Federal Bureau of Investigation), para atacar a "grana" da Cosa Nostra siciliana e da Cosa Nostra sediada em Nova York.

Até hoje as agências e os policias norte-americana aplicam a lição de Falcone: follow the money. E policiais legalmente infiltrados surgiram para oferecer negócios fictícios às organizações criminais.

Como reconhecimento, o FBI colocou um busto de Falcone nos jardins da sede da sua academia de formação de agentes, situada na cidade de Quântico (Virgínia), nos Estados Unidos.

Só a título de exemplo. Dentre as operações conjuntas, e miradas em atacar a economia movimentada, tivemos as operações Pizza Connection e Iron Tower, ambas inspiradoras de dois filmes exibidos nos cinemas americanos.

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A ideologia das organizações criminosas

Certa vez, um mafioso de ponta, Gaspare Mutulo, disse em depoimento judicial que "um mafioso prefere ficar preso com dinheiro do que livre sem dinheiro no bolso".

A ideologia que movimenta as organizações criminosas é apenas a do lucro. Com o lucro compram armas de fogo, corrompem, aumentam territórios e elegem políticos. A aproximação a políticos é comum e os exemplos são inúmeros, em todos os tempos.

A propósito, não se deve esquecer os elogios e condecorações dadas pela família Bolsonaro a acusados de integrar milícias. O ex-presidente, importante recordar, elogiava, quando em campanha, o papel das milicias, dado como positivo. A dupla, pai Jair e rebento Flávio, visitou duas vezes, na prisão, Adriano Nobrega, miliciano e chefe do chamado Escritório do Crime: execução de crime de homicídio encomendado.

Reciclar o dinheiro sujo obtido criminosamente em atividades formalmente lícitas, como por exemplo em transporte por "vans", é o "pulo do gato" para ganhar dinheiro e escapar da repressão policial e ministerial (Ministério Público).

Uma organização terrorista se distingue de uma associação criminosa organizada em milícias, máfias e pré-máfias como Comando Vermelho e PCC, por não ter o lucro como objetivo principal.

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Com efeito, o crime organizado usa métodos terroristas, mas a sua ideologia é apenas o lucro. Método terrorista foi usado na execução dos três médicos, na Barra da Tijuca, no 5 de outubro passado.

Pelo apurado e divulgado até agora, a execução sumária dos três médicos paulistas, defronte a quiosque da Barra da Tijuca, foi um erro do braço armado da milícia da Gardênia Azul..

A pessoa marcada para morrer, por vingança, seria Taillon Barbosa, membro e filho do líder da milícia de Rio das Pedras, Dalmir Barbosa.

Agora, uma obviedade: o móvel do crime organizado será sempre o dinheiro, a perseguição do lucro ilícito

Milícia e Comando Vermelho

Por negócios ilícitos a envolver lucro em dinheiro, as duas milícias, Rio das Pedras e Gardênia Azul, entraram em guerra. Em setembro passado, no início da guerra, deu-se o assassinado de Vin Diesel, miliciano da Gardênia Azul.

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Diesel teria sido o responsável pelas negociações condutoras do acordo resultante da filiação da Gardênia Azul, liderada por Philip Motta Pereira, vulgo Lesk, ao Comando Vermelho.

Até um pródigo - que, pelo direito civil brasileiro, é o incapaz de gerir os seus bens patrimoniais -, está apto para perceber que, por trás dos assassinatos dos três médicos, com um sobrevivente ferido por dez tiros, resultou de guerra entre os organizações, por lucros.

Trocando em miúdos: o acordo da milícia Gardênia Azul com o Comando Vermelho foi sentido, pela milícia do Rio das Pedras, como um negócio lucrativo em expansão.

A milícia da Gardênia Azul, como bem definiram os policiais, transformou-se numa "narco-milícia".

Dos anais da permanente Comissão Parlamentar Antimáfia do Parlamento Italiano, saiu uma conclusão baseada na lição de Falcone. E vale para o Brasil: " Il mafioso lo si indebolisce non solo metendolo in galera, ma impoverendolo" ( o mafiso se enfranquece não apenas colocando-o na prisão, mas o empobrecendo).

Governos e escapismos

O escudo da federação sempre foi usado pelos presidentes brasileiros para escapar da elaboração de uma política eficaz para prevenir, contrastar e reprimir o fenômeno da criminalidade organizada.

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Repassar verbas, colocar um arremedo de Força Nacional sempre representou escapismos, pois a vontade política de enfrentamento desgasta o governante.

O ex-presidente Michael Temer usou remédio constitucional e colocou o general Walter Braga Neto como interventor no Rio de Janeiro. Mas a intervenção não foi além de reequipar as policias. No momento, licitações de compras são revistas em razão de suspeitas de fraudes.

No afogadilho, o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, começou a enviar recursos para estados federados que não sabem reprimir as organizações criminosas em expansão . Ficou de anunciar um novo plano, que ainda não tem pronto.

Infelizmente, não percebeu que o fenômeno da criminalidade é nacional. Se é nacional a competência para o contraste é federal. Em outras palavras, não basta auxiliar monetariamente e dar apoio. Tem de assumir o protagonismo.

Nos estados nacionais unitários (o nosso Brasil é federado), o combate é mais simples.

O sistema federativo, no particular, é um complicador: cada unidade federativa conta com as suas policias civil, militar e penitenciária, todas ilhadas, incapazes de trocar informações e atuar permanentemente em mútuo auxílio.

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Aí, a criminalidade, como se diz no popular, "dá cartas e joga de mão". E assistimos, comovidos e enraivecidos, as mortes dos três inocentes médicos ortopedistas. A incompetência a ceifar vidas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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