Conteúdo publicado há 11 meses
Wálter Maierovitch

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Opinião

Ressuscitado antissemitismo. Hamas chama ao martírio. Zigue-zague de Lula

Impressionantes as manifestações, nas principais capitais e cidades, contra Israel, em face do conflito com o Hamas e a matança de civis inocentes em Gaza.

Aos manifestantes misturam-se fanáticos, a ressuscitar o antissemitismo e a equiparar judeus a nazistas. Como se todos os hebreus, também chamados de judeus após a criação do estado nacional de Israel, detivessem ódio igual aos dos supremacistas nazistas. E estivessem em apoio total ao premiê Netanyahu e ao seu gabinete de guerra. A lembrar, 3 em cada 5 judeus desejam a queda de Netanyahu.

Nesse ambiente, o líder do Hamas, Ahmad Yasin, pede, como divulgaram as agências internacionais, a população de Gaza que se ofereça ao martírio. Derramem o sangue para a libertação da Palestina de Israel. Mais, que os palestinos em Gaza se ofereçam como escudos humanos.

A verdade. As desumanidades assistidas e consumadas em Gaza tocaram os corações mundo afora, pois a justiça constitui sentimento forte, valor ético fundamental da sociedade civilizada.

Por outro lado, a proteção à vida nasce com o Direito Natural, ou melhor, com aquela categoria do Direito que provém, na concepção leiga, da própria natureza, e que nem precisa ser escrito nas leis dos seres humanos.

Terrorismo e crimes contra a humanidade

Volto à tecla batida em inúmeros comentários meus nesta coluna UOL sobre o conflito Hamas x Israel.

O Hamas usou o terrorismo para matar 1.160 judeus, ferir 500 deles e fazer 224 reféns, no dia 7 de outubro passado.

No terrorismo, o alvo imediato da agressão não é o principal, o da meta almejada. Os assassinatos e a tomada de reféns não era o alvo principal do Hamas e do Irã, estado teocrático cúmplice. No caso, o alvo imediato, difere da meta imediata e principal que é a eliminação do Estado de Israel.

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Com plano adrede preparado, o alvo imediato das agressões do Hamas voltou-se contra civis inocentes e indefesos.

Atenção. A reação de Israel, no entanto, excedeu os limites da legítima defesa.

À luz do Direito Internacional, que é o Direito das Gentes, existe um limite a ser observado. Popularmente, podemos usar o simbolismo da linha vermelha, a não ser ultrapassada.

O excesso coloca por terra a permitida defesa. Então, a defesa vira ataque excessivo e ilegítimo. Passa-se da defesa inicialmente admitida ao ataque impróprio, proibido, como se assiste em Gaza.

A defesa prevista no Direito Internacional como admissível transforma-se, pelo excesso, em atos violentos desumanos e odiosos. Que fique claro: não se pode colocar em risco a população civil.

Juridicamente, Israel, pelo governo direitista de Netanyahu, perdeu a tutela da legitimidade. Não está protegido pelo Direito Internacional.

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Ao promover matança indiscriminada, Israel, pelo seu governo, mergulhou na barbárie.

Tribunal Penal Internacional e Direito das Gentes

Caso olhado o Tratado de Roma, instituidor do TPI (Tribunal Penal Internacional), o caso em tela é tipificável como pratica de crimes contra a humanidade.

Alguns falam em crime de guerra, mas, tecnicamente, há conflito e não guerra. A observar não ter Israel subscrito o Tratado de Roma, portanto não está sujeita à jurisdição do TPI.

Atenção, de novo. Os crimes contra a humanidade estão previstos no Direito Internacional.

Graças ao humanista judeu Rafael Lemkin, nascido na Polônia, temos, no âmbito do Direito Internacional, uma definição aos crimes contra a humanidade.

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Crimes contra a humanidade, ensinou Lemkin, caracterizam-se por atos e condutas desumanas contra a população civil, povo ou parte dele. Isso está ocorrendo em Gaza.

A proposta de Lemkin foi adotada pela Convenção da ONU de 1948 e passou a vigorar em 1952.

O cenário e o antissemitismo

O Hamas, com base em plano preparado com a cúpula da teocracia iraniana, atingiu, dada a reação de Israel, o objetivo de desacreditar os hebreus.

O terrorismo inicial, consistente na matança de civis inocentes e aprisionamento de comuns do povo como reféns, está sendo posto de lado, desconsiderado e por muitos absurdamente justificado.

Como já escrevi em coluna anterior do dia 21 passado, o governo Netanyahu caiu numa armadilha

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O premiê Netanyahu, que não é militar de formação mas político, tornou-se como um redivivo Ariel Sharon, sem perceber as mudanças moderadas desse no seu final de vida.

Numa imagem, Israel não é mais o Davi, pequeno e com 5 pedras para enfrentar o gigante Golias. Tem armas e até arsenal nuclear. Netanyahu abusou e falou com ódio em eliminação do Hamas, que não pode ser a qualquer preço, ou melhor, com massacres de palestinos não pertencentes ao Hamas.

A reação descalibrada está sendo aproveitada pelos antissemitas. De repente, o Hamas virou movimento de resistência. No entanto, resistência não legitima o terrorismo.

O antissemitismo está de volta. É como brasa escondida pela cinza. Basta um sopro e ele reaparece. Nem é necessário, para percebê-lo, ler a judia Hannah Arendt, nas obras "Antissemitismo, instrumento de poder" (editora Documentário-1975) ou "L'ebreo come paria - una tradizione nascosta" (título original The Jew as Pariah).

Não tem pé e nem cabeça definir o povo judeu, diante do conflito e do bárbaro bombardeamento a Gaza, como autor de genocídio. Volto a lembrar do humanista judeu Lemki e da sua contribuição às Nações Unidas. O genocídio é a destruição de um grupo étnico, religioso, nacional, social, em ações sistemáticas e com ciência dos ataques. A meta, no caso do conflito, não é a eliminação do povo palestino. Não se deve confundir ataques ilegítimos a Gaza, como represália e contra o terror do Hamas, com genocídio.

O antissemitismo, na história, não começou com Hitler. E nem todos os alemães eram à época nazistas. Esse tipo de taxação generalizada representa fanatismo.

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Vou citar um exemplo de antigo ódio discriminatório. No dia 12 de julho de 1855, o então papa Paulo IV editou uma 'bula' vigorante até 1870. A bula valeu para todos os estados da Igreja, também chamados de Estados vaticanos, todos protegidos pelo exército papal. Roma não era mais a capital do mundo ('caput mundi'), mas integrava os estados vaticanos, pertencente ao papado. Daí, o decreto papal começar por ela.

A supracitada bula do papa Paulo IV, nascido Gian Pietro Carafa, estabelecia restrições ao povo judeu (hebreu), que passava a ser considerado gente de segunda categoria.

Carafa justificou a bula a separar os judeus do convívio social. E esse papa escreveu ser "absurdo e vergonhoso no seu grau máximo terem os hebreus, - condenados pela sua culpa à escravidão eterna", a conviver e ser tolerados em meio aos cristãos. Criou-se de pronto o gueto judeu, a imitar, no particular, o existente em Veneza. O termo gueto veio do dialeto vêneto "ghetto".

Dentre tantas outras, cito algumas determinações de Carafa aos judeus, contidas na bula: os homens são obrigados a usar chapéu amarelo. As mulheres, costurado nos vestidos e de modo visível, um pedaço de pano de cor amarela. Vedado trabalhar judeus como domésticos em casa cristã. Comer ou manter conversação amistosa com cristãos. Vedação aos médicos hebreus de tratar pacientes cristãos. Comércio limitado apenas à venda de roupas usadas. Vedação de casamentos de cristão com judeu. Proibido relacionamento sexual. Impossibilidade de escrituração comercial em língua estrangeira.

Lula e o zigue-zague

A presidência do Brasil no Conselho de Segurança da ONU está sendo até agora admirável, como frisei em coluna de 20 de outubro passado.

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A proposta apresentada pela presidência brasileira, de forte conteúdo humanitário, com veto dos EUA, teria evitado o massacre que se está a assistir. Mas, não adianta, a esta altura, chorar o leite derramado.

O caminho de urgente convocação do Conselho de Segurança, como a deste domingo, é medida mais do que acertada, pela urgência.

No cenário internacional, nas falas, o presidente Lula está, entretanto, sob risco de perder a credibilidade. Corre o risco de virar um Recep Erdogan, presidente turco e populista como Lula.

Erdogan tem um discurso para cada ocasião. Está internacionalmente desacreditado. Já expulsou da Turquia o chefe do Hamas e, sempre conforme o momento, o apoia. Reconheceu o terrorismo no 7 de outubro, mas muda de ideia, conforme a plateia.

Como divulgaram os jornais europeus de ontem, sábado (28), Lula reprovou os ataques do Hamas, mas afirmou não se tratar de organização terrorista por ter ganho as eleições palestinas. Legitimou o terrorismo com o ganhar eleição. Está, sem perceber, a legitimar o Terrorismo de Estado, em momento que uma ativista de direitos humanos, depois de longo período de coma, acaba de morrer depois de ser vitimada pelo terrorismo de Estado iraniano.

Puro zigue-zague de Lula, pois já disse antes de terrorismo pelo Hamas.

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No mais, o Hamas ganhou eleições em Gaza e nunca mais marcou outras. Seu governo é tirânico a lembrar ter o Hamas um braço que governa Gaza e outro, armado e terrorista, chamado de Brigadas Ezzedim al Qassan.

Lula, num zigue-zague com contorcionismos populistas, quer excluir do Hamas as Brigadas Ezzedim al-Qassan, que admitem ser legítimo o uso do terror para atingir a meta de varrer Israel do mapa.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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