Síria promete novo 'jihadismo pragmático'. Dá para acreditar?
Anote aí: há uma nova expressão cunhada e usada diariamente pelos especialistas em geopolítica, operadores do direito internacional e 007 da inteligência ocidental: "Jihadismo pragmático".
A expressão nasceu dos pronunciamentos de Mohammed al-Jolani, o líder do principal movimento rebelde que colocou fim aos 54 anos das ditaduras sangrentas da família Assad -- o pai Hafez, morto em 2000, e filho sucessor, Bashar.
Quem é al-Jolani
Al-Jolani é o líder do grupo rebelde HTS (Hayat Tahrir Al Sham). O seu nome foi dado por haver nascido nas colinas do Golã, anexadas por Israel em 1967.
Na cidade de Majdal Shams, no final de julho deste ano, o Hezbollah libanês, que ajudou a sustentar a mando do Irã a ditadura síria de Bashar al-Assad, disparou um foguete que matou 11 crianças e jovens que jogavam futebol num campo esportivo, em área ocupada por Israel.
O HTS nasceu com jihadistas dissidentes da Al Qaeda e do Estado Islâmico.
Na sua constituição original, focou na restauração da antiga região do Levante árabe, composta atualmente pela Síria, Líbano, Israel, Palestina, Jordânia e na província turca de Hatay.
'Jihadismo pragmático'
Em sua primeira entrevista coletiva dada em Damasco, al-Jolani afirmou que o HTS governará a Síria até março de 2025.
A partir daí, a Síria realizará eleições livres, com participação de todos, e elegerá uma assembleia constituinte.
Na entrevista, al-Jolani disse que a Síria deve se transformar num país com povo livre, com constituição, sem perseguições às minorias e uma nação integrada à comunidade internacional.
Os traidores da pátria --Bashar al-Assad, os militares e funcionários públicos que mataram opositores, torturam os cidadãos sírios e prenderam os participantes da Primavera Árabe iniciada em 2011-- serão, segundo al-Jolani, submetidos às leis sírias e ao devido processo legal, com ampla defesa. Depois de condenados, não receberão anistia.
Al-Jolani contou que está preparando um lista dos traidores da pátria e pedirá ajuda às organização internacionais e às não governamentais, para que não falte nenhum.
Sob nova direção
Antes de tomar Damasco, o HTS conquistou e governou as maiores cidades sírias.
Sua base ficou assentada na cidade de Idlib, onde administrou e não perseguiu as minorias. Não exigiu, por exemplo, o uso do véu, pelas mulheres.
O então prefeito de Idlib, Mohammed al-Bashir é hoje, por designação de al-Jolani, o primeiro ministro da Síria.
O primeiro-ministro Bashir, em entrevista, também fez promessas. Afirmou, por exemplo, que "o mundo real deve guiar o nosso Islã, pois não podemos impor o nosso Islã ao mundo real".
Em outra passagem, Bashir criticou grupos radicais: "Os comportamentos errados de alguns dirigentes de grupos islâmicos levaram o Ocidente a relacionar o islamismo ao terrorismo".
'Esperança' europeia
No âmbito da União Europeia, o "jihadismo pragmático" representa esperança.
Atenção: uma esperança para os que olham para o próprio umbigo e não para o povo sírio.
Na visão oportunista europeia, o "jihadismo pragmático" representa a volta de 7 milhões de refugaidos sírios às suas casas. E os foragidos sírios, pelas normas legais dos países-membros, não poderiam ter asilo negado pelos europeus, já que eram foragidos de guerra.
Para o manda-chuva al-Jolani, são duas as metas principais. A primeira é dar tranquilidade e paz ao povo sírio.
A outra e ambiciosa meta é convencer os refugiados a voltarem à pátria, onde, segundo o premiê, ajudarão na reconstrução do destruído país. Prometeu que os de volta à Síria viverão em paz, sem perseguições políticas e terão vida próspera com as famílias e amigos deixados.
A animada Europa recebeu, a partir da guerra civil de 2011, a chamada " grande onda dos refugiados", nesta muitos médicos e com cursos superiores em geral. Além da volta deles à Síria, os europeus acalantam o sonho do fim às deslocações procedentes do Oriente Médio.
O premiê Bashir frisou da necessidade da volta dos sírios ao lar para poder a economia da Síria funcionar e o país progredir, com plena integração internacional.
Acreditar ou não, eis a questão
O governo de Israel não acredita no fim da hostilidades. O premiê Netanyahu aproveitou a situação para atacar os centros produtores de armas químicas, afundar as naves de guerra e destruir os paióis de armamentos. Suas tropas ocupam a faixa de segurança traçada pelas Nações Unidas: razões de segurança foram alegadas para o estacionamento de tropas.
O jornal israelense Haaretz, de oposição ao governo Netanyahu, informou sobre a desconfiança no HTS por parte dos intelectuais e democratas liberais da Síria. Sobre isso, al-Jolani ressaltou que fará contato com eles.
Numa passagem opinativa, o Haaretz destaca que al-Jolani precisará cumprir as suas promessas iniciais. Não cabe, no entanto, esperar que deponham as armas e deixem de governar numa fase ainda muito precoce da implantação de novo regime.
Para muitos especialistas em geopolítica, al-Jolani está prega um "jihadismo com uma fisionomia marcadamente humanista" e de não extermínio das minorias.
Aaron Zelin, do Instituto Washington e dedicado a estudos sobre o HTS, não se mostrou otimista ao sustentar possuir essa organização, na sua essência, matriz autoritária, apesar dos distanciamento das suas raízes jihadistas.
No campo do direito humanitário, que representa uma das espécies do direito das gentes (direito internacional público), os especialistas, unanimemente, comemoraram a queda do sanguinário Bashar al-Assad, asilado na Rússia e que deveria estar sendo processado pelo Tribunal Penal Internacional.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.