Wálter Maierovitch

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Opinião

Meloni procura Trump, e aiatolás deverão soltar jornalista italiana

O final de semana foi, no mundo Ocidental, de muita apreensão sobre a manutenção da prisão, sem acusação, da jornalista italiana Cecília Sala, de 29 anos, no tenebroso presídio iraniano de Evin.

Prisão atentatória à dignidade da jornalista, em violação ao direito internacional. Sala está sendo usada pelos governo teocrático iraniano como moeda de troca. Está em cela de segurança máxima, sem comunicação com advogado (terá de escolher entre os indicados pelos aiatolás), sem banheiro, passa frio e não sabe qual a acusação que lhe é feita.

Surpresa

No sábado, de surpresa e debaixo de absoluto sigilo, a primeira-ministra italiana, Georgia Meloni, embarcou, em avião especial, para a Flórida, para encontrar o presidente eleito dos EUA, Donald Trump.

Uma visita relâmpago, tipo "bate-volta", não agendada antecipadamente, ao resort Mar-a-Lago, de Trump, cuja posse e início de exercício da função presidencial começarão no dia 20.

Silêncio pedido

Enquanto Meloni preparava-se para partir à Flórida, a mãe da jornalista Cecília Sala pediu à imprensa, depois de agradecer a solidariedade e o apoio, para silenciar. Justificou o pedido ao externar a preocupação de matérias e comentários poderem atrapalhar as negociações diplomáticas.

Na verdade, a mãe de Cecília Sala teme as reações dos sempre mercuriais aiatolás, que mantém a jornalista em cela sem cama, banheiro e alimentação adequada. A jornalista Sala dorme no chão de cela gelada e com apenas dois cobertores. Material de higiene e um panetone de ano novo, entregues pela embaixadora italiana em Teerã, ainda não chegaram à jornalista, como detalhado em postagens anteriores desta coluna.

A trama dos aiatolás

A jornalista foi presa no dia 19 de dezembro no hotel em Teerã onde havia se hospedado e comunicado às autoridades iranianas anteriormente.

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Sala estava em situação regular no Irã e autorizada, com permanência de oito dias, produzindo matérias jornalísticas para o jornal italiano Foglio e o site cultural Chora Media.

Segundo nota do ministério da Cultura e assuntos religiosos da república teocrática iraniana, Sala foi detida por "violação à lei islâmica".

Atenção. Imputação genérica e que contraria o direito internacional, que exige uma acusação com fatos e tipificações legais. No fundo, um mínimo para se exercitar o direito de defesa.

A nota, no entanto, mudou. E outro ministério entrou em cena. No domingo, o porta-voz do ministério de relações exteriores iraniano, Ismail Baghaei, informou estar a jornalista Sala sendo investigada. Não se declarou sobre o fato investigado.

Parêntese. Investigação com prisão cautelar, sem fato determinado, é arbítrio puro.

Daí, o jogo sujo iraniano, ou seja, e como já comentei em outras postagens, a jornalista como moeda de troca para a libertação do iraniano Mohammad Abadin Najafabani, preso no aeroporto de Milão, com pedido de extradição pelos EUA.

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O porta-voz Baghaei negou qualquer correlação da prisão de Sala com a custódia do iraniano extraditando Abadin.

A lembrar, a jornalista Sala foi presa três dias depois de Abadin. Pura coincidência, pela fala de Baghaei.

Abadin, com mandado internacional de prisão, foi dado, pelos EUA, como fornecedor de componentes eletrônicos para drones, de uso militar e civil, à Guarda Revolucionária Islâmica (Pasdaran).

Essa Guarda é considerada organização terrorista por EUA, Canadá e Suécia. Não pela ONU e nem pela Itália. Fechado o parêntese.

Trump-Meloni

A visita de Meloni foi preparada secretamente. Soube-se, apenas, quando chegou a Mar a Lago e quando tirava fotos oficiais.

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Meloni, que tem a mesma ideologia conservadora de Trump, foi a primeira governante mulher, e a quarta política direitista, a visitar, antes da posse, o eleito presidente americano. Visita de cortesia, na sua agenda oficial.

Antes dela, mas com visitas anunciadas bem antes e por toda a imprensa, estiveram com Trump o argentino Javier Milei, o húngaro Viktor Orban e o canadense Justin Trudeau.

Meloni, para disfarçar, assistiu ao filme encomendado por Trump, com objetivo laudatório e para derrubar a versão de que tinha ciência e anuiu com o ataque antidemocrático ao Capitólio.

Meloni não escondeu ter conversado sobre a jornalista Sala. E o New York Times informou haver Meloni sido firme na defesa da jornalista.

O ponto escondido. A legislação americana é de clareza solar ao vedar a Trump, antes da posse, tratar de questão da competência exclusiva do presidente com mandato ainda não terminado, no caso Joe Biden.

Diante disso, para fins legais, houve, numa visita de cortesia, apenas uma narrativa de Meloni e Trump, que limitou-se a ouvir.

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Especulação a favorecer de Sala

Comenta-se, à boca pequena, ter Meloni, no bate e volta de poucas horas e um filme de permeio, trazido na bagagem a certeza de que Trump não irá se enfurecer com a liberação do iraniano Abadin, engenheiro eletrônico de formação.

Mundo legal

Antes da viagem de Meloni tudo estava complicado. Um jogo com três em campo: Itália, Irã e EUA.

Os EUA solicitaram a extradição e pediram a não concessão de prisão domiciliar, por se tratar de terrorista perigoso.

Na ocasião da requisição da extradição foi lembrado, como já desenvolvi em colunas anteriores, a concessão de prisão domiciliar. Isso no aguardo da tramitação do exame de pedido de extradição, no ano de 2023, de um russo, traficante internacional de armas. O russo, no mesmo dia, rompeu o bracelete eletrônico e fugiu. Sumiu, no mundo.

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Agora, os EUA estariam dispostos a engolir a libertação de Abadin. Isso porque Abadin seria apenas um dos contatos de Mahdi Mohammad Sadeghi, este o fornecedor direto aos pasdarans.

Atenção. Sadehi forneceu à Guarda Revolucionária, responsável pela manutenção da revolução islâmica iraniana, dos componentes americanos para drones militares. E um dos drones, lançado contra a Jordânia, atingiu e matou três soldados americanos, com 38 jordanianos feridos.

Como Meloni sempre teve boas relações com o Joe Biden, tudo será facilitado na visita que o presidente americano fará, nos próximos dias, ao Vaticano e à Roma.

Biden visitará o papa Francisco, por ocasião do Jubileu do "Ano Santo", uma tradição da Igreja Católica nascida em 1300 com o papa Bonifácio Otávio: o Jubileu ocorre como regra a cada 25 anos.

O papa Bergoglio inaugurou, para o Jubileu, a 5ª Porta Santa, desta vez fora de uma basílica, mas no presídio romano de Rebibbia.

Biden, por evidente, não irá se irritar com a liberação de Abadin. Até porque no "Ano Santo" a frase escolhida pelo papa Francisco tem muito de especial com o caso Sala: "La Speranza non delude" (A esperança não decepciona): a frase é de São Paulo.

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Pano rápido

Os aiatolás, pela previsão realizada com base no andar da carruagem, sairão vencedores. Teve efeito a ameaça, a chantagem.

Mas, os aiatolás saem aliviados pois Abadin, nos EUA, enfrentaria acusações a gerar pena de prisão perpétua, salvo se virasse um colaborador de Justiça e realizasse delações premiadas.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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