Não há registros de que tubaína tenha sido uma tortura na ditadura militar
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criou mais uma polêmica nesta semana ao sugerir que quem for de esquerda, em vez de tomar cloroquina, tomasse tubaína.
A declaração, além de ser repudiada até pela associação de refrigerantes, desencadeou uma corrente nas redes sociais, relacionando "tubaína" a uma tortura no período da ditadura militar no Brasil (1964-1985).
"O que Bolsonaro quis dizer com tubaína? A 'tortura d'água' é uma prática originária da Idade Média, usada pela Inquisição, que consistia em colocar um funil na garganta do indivíduo e despejar liquido sem parar", informa a corrente, divulgada com uma antiga gravura de uma pessoa deitada com um cano na boca.
"Durante a ditadura, esta técnica recebeu o apelido de TUBAÍNA", afirma o texto.
Não há registro de "tubaína" em relatos da ditadura
Apesar de o presidente já ter feito diversas referências públicas ao período de ditadura militar, essa não parece ser uma delas. O nome "tubaína" não consta nos registros públicos e nem é conhecido por historiadores e ex-presos políticos consultados pelo UOL.
Não há registro de "tubaína" em nenhuma das quase 850 mil páginas do projeto "Brasil Nunca Mais".
Fruto de uma iniciativa conjunta de diversas organizações, entre elas o Ministério Público Federal, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o CMI (Conselho Mundial de Igrejas), o portal, baseado no livro organizado em 1985, documenta processos judiciais movidos contra presos políticos e relata torturas e outras violações a direitos humanos durante a ditadura militar brasileira.
Nos dez arquivos que reúnem documentos do antigo Tribunal Militar e de outros órgãos, como o CMI, não há nenhum registro à palavra.
Historiadora nunca ouviu o termo atrelado à ditadura
A historiadora Ana Paula Britto, coordenadora do Memorial da Democracia da Paraíba e especialista no período da ditadura militar brasileira, também diz nunca ter ouvido falar no termo ou em processo parecido nas prisões durante o período.
"A gente já ouviu diversos relatos de tortura que incluíam introduzir, por exemplo, um cassetete envolto em um fio de arame farpado no ânus do preso. Chamavam isso de 'entubar', mas 'tubaína' nunca se falou", afirma a historiadora, que também participou do Memorial da Resistência em São Paulo e já ouviu relatos de presos políticos do país inteiro.
A pedido do UOL, ela consultou ex-presos políticos, que também disseram não ter conhecimento da prática.
"Conversei com um [ex-preso] de São Paulo e outro de Minas [Gerais]. Ambos já conversaram muito com outros e também não conhecem. Um deles falou de uma [prática] que era introduzir um plástico no ânus e ameaçar colocar um rato de laboratório, para 'comê-lo' por dentro. Chamavam de 'cacete dentado'. Mas tubaína, não", informa Britto.
"Pode ser um termo só usado pela repressão [militares], mas não temos relatos dessa prática [de introduzir um cano na boca] com esse nome. Nem em navios, onde as práticas eram muito cruéis", conclui a historiadora.
Na apuração, a reportagem só encontrou referências à Idade Média com a imagem, que indicava práticas de senhores feudais com os servos e da Igreja Católica espanhola no período da Santa Inquisição. Não foram encontradas ligações entre a prática e a ditadura no Brasil.
O UOL procurou a Presidência da República para comentar o caso, mas não teve resposta até o fechamento deste texto.
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