Vacinas: Fake news mentem sobre falta de testes, efeitos e alteração de DNA
Os avanços nas pesquisas em busca de vacinas eficazes contra o coronavírus pelo mundo têm feito crescer o volume de informações falsas disseminadas nas redes sociais.
No Brasil, o acirramento da disputa política que envolve a vacinação também tem estimulado diversos conteúdos enganosos ou distorcidos sobre as vacinas em teste.
Entre os mais compartilhados, está um vídeo do médico pediatra e toxicologista Anthony Wong. No vídeo, ele apresenta informações distorcidas sobre as vacinas, em especial a CoronaVac, fabricada pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan. Além da China, o imunizante já foi recebido por Brasil, Indonésia e Turquia e está sendo testado no Chile.
Sem registros de efeitos adversos graves
A fala divulgada em vídeo deixa fora de contexto os resultados dos testes registrados até o momento: "Os resultados da China, com mais de 100 mil aplicações, relataram incidência de efeitos adversos de 5,37%. Isso é inadmissível", comenta o médico. A taxa é similar à de outra vacina muito eficaz.
Em setembro, o Butantan e o governo do estado de São Paulo divulgaram os resultados dos estudos realizados na China.
Dos 50.027 voluntários que participaram das pesquisas, 5,36% desenvolveram reações adversas brandas após a aplicação, como dor no local em que a vacina foi aplicada, febre moderada e perda de apetite. Entre os quase 5.600 voluntários que receberam a vacina nos estudos clínicos que estão sendo realizados no Brasil desde julho, o Butantan não registrou qualquer reação adversa grave.
Em comparação a imunizantes utilizados para outras doenças, a vacina contra o Sars-CoV-2 não apresenta nos testes realizados até agora índices anormais de efeitos adversos.
A vacina contra a febre amarela, por exemplo, utilizada há mais de 60 anos, apresenta efeitos colaterais leves em cerca de de 5% das pessoas que recebem a aplicação. Segundo o Ministério da Saúde, os efeitos adversos mais registrados são febre, dor de cabeça e dor muscular e é frequente que ocorram reações no local em que a vacina foi aplicada.
CoronaVac já foi testada em idosos
Wong também afirma no vídeo verificado pelo UOL que "a vacina não foi testada em idosos, crianças, em pessoas com comorbidades nem em pessoas que já tiveram a doença". A informação é falsa.
Os resultados preliminares das fases 1 e 2, divulgados pela Sinovac em setembro, incluíam 421 voluntários com mais de 60 anos de idade. Os testes em crianças e adolescentes entre 3 e 17 anos estão em andamento.
A companhia anunciou em setembro experimentos com 522 voluntários dessa faixa etária. O Instituto Butantan também tem estudos clínicos da CoronaVac com idosos e crianças.
Resultados de vacinas concorrentes
Anthony Wong afirma também que a vacina chinesa só é a mais segura até o momento, porque "ainda não saíram os resultados das outras vacinas". A afirmação também é questionável.
A AstraZeneca e a Pfizer ainda não não divulgaram dados sobre efeitos colaterais ocorridos na terceira fase. No entanto, a fase anterior de estudos —que apresenta os resultados de segurança dos imunizantes— já teve as consequências anunciadas.
A vacina da farmacêutica AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford teve seus resultados apresentados na revista Lancet. Já a revista Nature publicou os resultados dos testes clínicos da Pfizer/BioNtech. Não há dados que comprovem diferença significativa entre os resultados de segurança das vacinas em fase avançada de testes.
Mais teorias conspiratórias
As vacinas têm sido alvo também de teorias conspiratórias nas redes sociais. Elas têm crescido em alcance nos últimos dias, ligando a vacinação ao uso de nanotecnologia para alterar o DNA humano ou para instalar robôs no organismo.
A vacina não tem potencial para alterar o código genético de células humanas, como tem sido dito por imagens compartilhadas em diversas redes. Um artigo publicado em abril deste ano pela revista Nature detalha as diferentes tecnologias utilizadas para a produção de vacinas.
Alguns imunizantes em desenvolvimento utilizam tecnologia de DNA, colocando uma parte dos genes do vírus em uma molécula que é injetada no corpo humano para gerar uma resposta imunológica do organismo.
No entanto, nenhum dos imunizantes em fase 3 de ensaios clínicos (última etapa de análises) utiliza este método —o que inclui a CoronaVac e as demais vacinas em testes no Brasil.
De toda forma, a OMS (Organização Mundial da Saúde) confirma que a utilização de material genético do vírus é um método seguro para imunização, porque permite que o sistema imunológico neutralize o agente infeccioso antes que comece a causar danos ao organismo.
A nanotecnologia também é uma forma viável de chegar a uma vacina para a covid-19 no futuro, embora também não tenha nenhuma candidata em fase de testes clínicos.
Uma delas está sendo estudada pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP (Universidade de São Paulo), mas não tem nada a ver com alteração de DNA ou robôs microscópicos. Elas utilizam proteínas do vírus colocadas em nanopartículas, que são estruturas muito pequenas, parecidas com o vírus, para estimular o sistema imunológico.
Em entrevista ao Jornal da USP, a pesquisadora Mariana Favaro, pós-doutoranda do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas, explica que esse modelo de vacina pode estimular respostas mais fortes do sistema imune com mais segurança, já que são feitas para imitar as características do vírus, sem precisar utilizar o vírus inteiro.
Segundo ela, "se essas proteínas estiverem montadas em uma estrutura que se parece com o vírus —que é o caso dessa nanopartícula—, então a gente acaba tendo uma resposta mais forte do organismo".
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