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Ministério confunde ao dizer que coronavírus não é transmitido pelo ar

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Imagem: iStock/Arte

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

06/01/2021 04h00

O Ministério da Saúde confunde os cidadãos ao garantir que o novo coronavírus não é transmitido pelo ar. Como toda doença recente, com o desenvolvimento dos estudos, especialistas e órgãos internacionais continuam analisando os dados sobre o vírus e a covid-19, e já consolidaram que é um vírus de transmissão aérea e que o ar não pode ser descartado.

Em uma lista de perguntas e respostas, o órgão responde que o vírus não é transmitido pelo ar. "A transmissão acontece de uma pessoa doente para outra ou por contato próximo", explica o ministério.

E cita meios de contaminação, como espirro, tosse e superfícies contaminadas.

Seção de perguntas e respostas do Ministério da Saúde - Reprodução - Reprodução
Seção de perguntas e respostas do Ministério da Saúde
Imagem: Reprodução
A informação, embora não esteja tecnicamente errada ao citar espirro, tosse e catarro como meios transmissores, confunde ao negar que o ar transmita o vírus sem contextualizar. Para agências internacionais, não há como garantir que ar não seja transmissor.

Coronavírus é um vírus de transmissão aérea

No início da doença, órgãos internacionais ainda tinham dúvida se o vírus só passava por meio de contato direto. Mas, com o avanço dos estudos, tornou-se consenso internacional de que o novo coronavírus é um vírus de transmissão aérea.

Em outubro, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) atualizou sua página de meios de transmissão do coronavírus para "incluir evidências sobre o potencial de propagação aérea do vírus" para além da distância recomendada de um a dois metros.

"A atualização reconhece a existência de alguns estudos publicados que mostram circunstâncias raras e incomuns em que pessoas com covid-19 infectaram outras que estavam a mais de seis pés [quase dois metros] de distância ou logo depois que a pessoa com covid-19 deixou o local", diz o texto do CDC.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) explica que o maior risco se dá, de fato, entre pessoas com contato próximo (inferior a 1 metro), sem proteção adequada e em ambientes fechados, mas não descarta a transmissão pelo ar. O órgão cita os riscos dos aerossóis (gotículas muito pequenas), "que são capazes de permanecer suspensas no ar por longos períodos", em algumas situações, como em procedimentos médicos e lugares lotados.

"Houve relatos de surtos de covid-19 em alguns ambientes fechados, como restaurantes, boates, locais de culto ou ambientes de trabalho onde as pessoas podem estar gritando, conversando ou cantando. Nesses surtos, a transmissão por aerossóis —especialmente em locais fechados, onde há espaços lotados e inadequadamente ventilados, onde as pessoas infectadas passam longos períodos com outras pessoas— não pode ser descartada", afirmou a OMS, em resposta ao UOL.

Por outro lado, o órgão ressalta que também há uma probabilidade destes surtos terem se dado por meio de gotículas e diz que ainda há muito o que ser estudado sobre o vírus. "Mais estudos são necessários com urgência para investigar esses casos e avaliar seu significado para a transmissão da covid-19", diz a OMS.

Em setembro, um grupo internacional com 239 cientistas enviou uma carta para a organização pedindo que ela fosse mais enfática sobre os riscos dos aerossóis e os perigos da transmissão pelo ar para além das gotículas de saliva.

"Muita gente pensa que, mesmo estando dentro de um lugar, mas a mais de dois metros das pessoas e sempre lavando as mãos, é praticamente impossível pegar o vírus. Mas isso muda quando consideramos os aerossóis, porque eles são como fumaça: se você estiver em uma sala com alguém infectado, e a sala tiver pouca ventilação, a 'fumaça' se acumula e você pode se infectar mesmo se estiver a muito mais de 2 metros de distância", explicou José Luis Jiménez, professor de Química na Universidade do Colorado (EUA) e cossignatário da carta, em entrevista à BBC.

Resposta desinforma

O infectologista Marcos Boulos, professor da USP (Universidade de São Paulo), diz não ter entendido a resposta do ministério por "não haver dúvida" de que o coronavírus seja um vírus de transmissão aérea.

"[O ministério] fala que está no catarro ou na saliva, mas não transmite pelo ar? Então só pega quem beija? Tem que colocar o catarro na boca? É uma doença transmitida pelo ar. Claro que não é o vento, é a gotícula de saliva, o aerossol, ela fica aspergida. Não entendi o puritanismo", critica o médico.

Boulos ressalta ainda que a resposta pode causar desinformação e estimular as pessoas a não usarem máscara. "Se não é transmitida pelo ar, então não tem problema [não usar proteção]. É um engano. Você inala o ar e é por ele que vem o vírus. É via aérea, não tem discussão", afirma.

Ministério reconhece possibilidade

Em resposta ao UOL, o Ministério da Saúde referendou que a transmissão ocorre "principalmente" por meio de contato próximo entre pessoas, mas reconheceu que a possibilidade de transmissão via aerossóis não pode ser descartada.

"Alguns procedimentos médicos em vias aéreas podem produzir gotículas muito pequenas —aerossóis— que são capazes de permanecer suspensas no ar por períodos mais longos. Esses aerossóis contendo vírus podem ser inalados por outras pessoas que não estejam utilizando Equipamentos de Proteção apropriado", respondeu a pasta, em um texto muito semelhante ao enviado pela OMS.

"A pasta informa, ainda, que foram relatados alguns cenários onde a covid-19 poderia ter se disseminado pelo ar (aerossóis), como durante a prática de canto em coral, academias e restaurantes. Nesses surtos a transmissão ocorreu predominantemente em ambientes fechados, pouco ventilados e com exposição prolongada, não sendo possível excluir a possibilidade de transmissão por gotículas e contatos", conclui o ministério.

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