Desvio de dinheiro atrasou recuperação de Nova Friburgo (RJ), diz procurador; turismo está abalado
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Boa parte das ações não executadas em torno da recuperação dos estragos da chuva na região serrana do Rio de Janeiro tem explicação no mau uso do dinheiro público --o que demandará, ainda este ano, o ingresso de mais ações judiciais por parte do MPF (Ministério Público Federal).
A afirmação é do representante do MPF em Nova Friburgo, o procurador Marcelo Medina, que falou com o UOL para a série de reportagens que mostra como os principais municípios afetados pelo maior desastre natural da história do Brasil lidaram com as consequências deixadas nos últimos 12 meses.
Ao todo, foram percorridas as cidades de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis –em ordem crescente, as mais afetadas em destruição e onde foi registrada a imensa maioria dos mais de 900 mortos.
Em Nova Friburgo, onde a vocação turística já não é a mesma de antes da tragédia, estragos causados em locais tão distintos quanto o centro turístico e bairros de periferia do Terceiro Distrito até hoje carecem de reparo. Relatório do Crea (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) do Rio, por exemplo, revelou semana passada que estão em recuperação apenas oito das mais de 300 encostas afetadas pelos deslizamentos de um ano atrás na cidade.
Além das obras de contenção, também seguem em ritmo lento, quando não paradas, a pavimentação de vias destruídas, a demolição de imóveis condenados --assim como a construção de moradias a quem perdeu a casa na tragédia--, a construção de pontes e, símbolo do turismo local, a reativação do teleférico parado desde a chuva.
“Em grande parte, a demora dessas obras de recuperação é reflexo do desvio de recursos e do desvio de finalidade do dinheiro que veio --por exemplo, na medida em que se se faz limpeza de caixas d'água onde não era necessário, ao invés de se usar essa verba para a remoção de famílias de áreas de risco”, explica o procurador. “Aí o dinheiro não basta, mesmo. A consequência nós estamos vendo no que ainda não foi feito”.
De acordo com Medina, o decreto de calamidade pública adotado logo após as chuvas, em vez de agilizar as obras, acabou facilitando os desvios constatados pelo MPF.
“Normalmente se usa uma suposta burocracia como justificativa para o atraso de obras. Em parte isso até existe, mas as regras formais que devem ser empregadas na contratação de um serviço ou empresa se destinam exatamente a impedir esses desvios. Ou seja: a recuperação da cidade poderia ter sido mais célere, mas o administrador acabou tendo de fazer um processo de contratação duas vezes em função das irregularidades que apontamos”, diz.
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Conforme relatório da CGU (Controladoria Geral da União), só da União, Nova Friburgo recebeu R$ 10 milhões para as ações emergenciais após a chuva por meio de termo de compromisso firmado em 14 de janeiro do ano passado.
Entre as irregularidades apontadas no documento, publicado mês passado, estão desde serviços de desratização e desinsetização em casas interditadas ao uso de verbas a áreas não atingidas por enchentes e deslizamentos e fraudes em processo de contratação.
Conforme o procurador do MPF, ainda não há um volume fechado do quanto teria sido desviado na cidade –mesmo porque, parte dos recursos destinados chegou via Estado, que também assinou convênio com o governo federal. No caso do Executivo estadual, os convênios de R$ 70 milhões (janeiro) eram destinados à limpeza, desobstrução de ruas e aluguel social, e de R$ 80 milhões (março) para construção de pontes.
Efeito devastador
Medina acompanhou a tragédia desde o início e classificou o episódio como “muito devastador” para a história do município e do país. “Todos aqui vão ficar marcados para sempre. Foi uma tragédia muito próxima de cada um, mesmo de quem não tem teve a infelicidade de experimentar perdas”, comenta.
Para o procurador, o trauma se mistura a uma apreensão que não é difícil de perceber ao se conversar sobre chuvas na cidade com qualquer morador.
“Há uma grande apreensão aqui em razão de perspectiva de chuvas fortes, e, sobretudo, por ainda haver muito por fazer”, aponta o representante do MPF, para ressalvar: “Mas há ao menos um aspecto positivo, depois de investigados os desvios: as câmaras de cidades atingidas atuaram [Teresópolis e Nova Friburgo cassaram, cada qual, o prefeito do município] e mesmo o STJ [Superior Tribunal de Justiça] manteve, aqui em Friburgo, o afastamento”, avalia.
"A cidade está no CTI"
Para quem depende do turismo em Nova Friburgo, no entanto, a lentidão das obras afeta mais que uma memória que tenta apagar as lembranças mias tristes da chuva: afeta as contas de casa.
“O movimento de turista aqui caiu 90%; dependendo do dia, até 100%. Ontem, mesmo [um sábado], fiz um único passeio. Fora que é chover e a cidade virar uma lama”, revolta-se o comerciante Rodovaldo Calderaro, 59. Conhecido por “Vadinho”, ele é dono de charretes de passeio em um ponto da praça do Suspiro, onde está o teleférico parado desde a tragédia. “Isso aqui acabou. É como se Friburgo estivesse num CTI (Centro de Terapia Intensiva), mas sem médico para operar”, compara.
No Córrego Dantas, bairro seriamente afetado pelos deslizamentos e ainda com esqueletos de casas destruídas e pontes não refeitas, o sentimento também é de indignação. “É um absurdo sair verba para o Carnaval, por exemplo, e a gente ter que andar em um ponte improvisada doada, porque outra, também improvisada, cedeu. Vi pedra rolando aqui há um ano, contei vários amigos que morreram e o quadro é essa lástima ainda”, desabafa a costureira Cilene Teixeira, 36. Ela passou por dois abrigos, após a chuva, antes de a casa sair da interdição.
A ponte improvisada citada por Cilene fica sobre o córrego que dá nome ao bairro. Com o nível da água elevado, em um dia de chuva, e visivelmente assoreado, ele ainda se mostra ameaça a quem vive ali. “Não mudou nada aqui, 12 meses depois. Tiraram os entulhos, mas qualquer chuvinha enche o córrego e o povo fica apavorado”, relata o funcionário público Marcos Almeida.
A reportagem do UOL tentou falar com o prefeito de Nova Friburgo sobre as obras de recuperação, mas não houve retorno ao pedido de entrevista. Também com uma série de obras por fazer ou terminar e com desvios constatados pela CGU, a Prefeitura de Teresópolis não se manifestou.
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