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"Quando o Choque entrou no Carandiru, pensei: vou apanhar 'pra caramba'", diz sobrevivente

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

29/07/2013 20h44

O pedreiro Marco Antonio de Moura, 44, sobrevivente do massacre do Carandiru, disse, em depoimento exibido nesta segunda-feira (29) aos jurados do segundo júri do massacre, que, quando viu a Tropa de Choque da Polícia Militar entrando para conter uma rebelião no presídio, em 2 de outubro de 1992, pensou: “Nossa, vou apanhar pra caramba".

Moura é a terceira testemunha arrolada pela acusação neste primeiro dia de júri, e a segunda a ser aproveitada, em vídeo, do júri de abril passado. Na ocasião, 23 PMs foram condenados pela morte de 13 presos do segundo pavimento. Os atuais 26 réus da segunda etapa de julgamento respondem pelo assassinato de 73 detentos do terceiro pavimento.

No depoimento de abril, o ex-detento disse ter enfrentado outras rebeliões contidas com violência pela corporação, também no Carandiru, mas com bombas de gás, não com tiros. "Eu lembro que o polícia (sic) colocou a cara no guichê [da cela] e começou a efetuar os disparos. Fiquei quieto e me fingi de morto", relatou.

Ainda conforme a testemunha, que teve a imagem parcialmente exibida aos jurados –do tronco para baixo, já que, em abril, pediu para ser ouvido sem os réus no plenário --, mesmo detentos feridos após a entrada do Choque teriam sido mortos ao erguer os braços quando PMs perguntaram quem estava ferido. "Os presos que estavam feridos e ergueram as mãos, nós nunca mais os vimos", disse.

Da cela no segundo andar, a testemunha afirma que viu policiais apontando metralhadoras aos presos que estavam ali. De dez baleados, estimou, "pelo menos oito" morreram. A bala que atravessou um dos detentos atingiu o pé dele, que recebeu 14 pontos.

Moura está livre desde 1994 e disse trabalhar desde então com registro em carteira. Ele cumpriu cinco anos e quatro meses de pena por assalto à mão armada. Ao juiz que então o questionara, José Augusto Marzagão, alegara que estava na cela no segundo andar do pavilhão 9 --onde ocorreram 15 mortes-- quando viu a Tropa de Choque da Polícia Militar entrar no prédio para conter não uma rebelião, como alegou o Estado à época, mas “uma briga de quadrilhas; um acerto de bandidos".

Indagado pelo magistrado sobre eventuais palavras de ordem dos PMs, durante a ação, respondeu, enfático: "Sim, diziam ‘Deus cria, a Rota mata, e viva o Choque’”. Quanto aos presos, Moura disse que o que mais ouviu lá foram pedidos de "pelo amor de Deus".
 
O ex-detento admitiu que os presos possuíam armas brancas, mas negou, a exemplo da primeira testemunha, que eles tivessem armas de fogo.

O pedreiro declarou também que não seria capaz de reconhecer o PM que fez os disparos pelo guichê da cela em que estava, mas disse se lembrar de um detalhe: “Ele tinha os olhos azuis. Mas não tenho  vontade de olhar para a cara de nenhum deles”, concluiu o ex-detento, que afirmou ter ficado nervoso, hoje, antes de entrar no plenário. “Me deu um pânico. Passou quase 21 anos, mas, para mim, é como se fosse ontem.”