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Desaparecimentos em favelas do Rio aumentam após início das UPPs

Na quinta-feira (1º), um protesto contra o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, 42, uniu moradores da favela da Rocinha, na zona sul, "black blocs" e integrantes de movimentos sociais - Antonio Scorza/UOL
Na quinta-feira (1º), um protesto contra o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, 42, uniu moradores da favela da Rocinha, na zona sul, "black blocs" e integrantes de movimentos sociais Imagem: Antonio Scorza/UOL

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

03/08/2013 06h00

Dados do ISP (Instituto de Segurança Pública) mostram que houve aumento no número de desaparecimentos nas 18 primeiras comunidades que receberam UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), no período entre 2007 e 2012. O levantamento feito pelo UOL tem base nas ocorrências registradas um ano antes e um ano depois das respectivas ocupações, e vai da UPP Santa Marta, inaugurada em novembro de 2008, em Botafogo, na zona sul, à UPP Mangueira, na zona norte da cidade, lançada em novembro de 2011.

CDD NO TOPO

  • Cidade de Deus, favela da zona oeste do Rio. Crédito: Folha Imagem

    A Cidade de Deus, em Jacarepaguá, na zona oeste da cidade, é a comunidade pacificada com o maior número de desaparecimentos. Entre 2007 e 2012, foram registradas 144 ocorrências --quase quatro vezes mais do que a segunda colocada no ranking, a UPP São Carlos, na zona norte

Na série histórica considerada pela reportagem, os desaparecimentos notificados à Polícia Civil pularam de 87 para 133, o que representa aumento de mais de 56%. Segundo estatísticas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do IPP (Instituto Pereira Passos), as 18 favelas correspondem a uma população de quase 211 mil pessoas.

O propulsor desse crescimento foi a Unidade de Polícia Pacificadora da Cidade de Deus, na zona oeste, inaugurada em 2009. No ano seguinte à ocupação, foram registrados 49 desaparecimentos --33 a mais em relação ao ano anterior e 31 em comparação com 2008. A partir de 2011, porém, houve redução.

Nas 18 favelas, as únicas cujos dados de criminalidade são disponibilizados pelo ISP, os números sobre casos de desaparecimento diminuíram em apenas seis comunidades. Também houve aumento substancial nos morros da Mangueira (de seis para 12 casos) e do Borel (de duas para nove ocorrências).

Em relação aos números absolutos, entre 2007 e 2012, foram registrados 553 casos de desaparecimento nas 18 primeiras comunidades. Os relatórios do ISP indicam aumento progressivo anual até 2010, quando o indicador atingiu o seu ápice (119 ocorrências). Nos anos seguintes, houve redução.

ENTENDA O CASO

Arquivo família
Amarildo, morador da Rocinha, desapareceu no dia 14 de julho após ser abordado por policiais da UPP local. Na versão da família, o pedreiro foi levado pelos PMs da porta de casa e, depois, os policiais disseram que ele foi liberado porque tinha sido confundido com alguém. Amarildo tinha acabado de chegar de uma pescaria

Para o professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) e coordenador do Observatório de Favelas, Jailson de Souza e Silva, o estudo sobre o aumento do índice de desaparecimentos nas favelas pacificadas tem que ser aprofundado pelo governo fluminense, assim como a questão da violação de direitos por parte dos policiais que trabalham nas UPPs.

Silva afirmou que o caso do pedreiro Amarildo de Souza, 42, que desapareceu na favela da Rocinha após ser abordado por policiais militares, é o estopim de uma "crise da permanência policial nas favelas". Na visão dele, "nenhum morador desaparece na favela", já que há uma relação peculiar de proximidade entre os moradores. "Todo mundo sabe o que se passa ali", explicou.

"O caso Amarildo é simplesmente um epicentro de uma crise da permanência policial nas favelas. Ele mostra a dificuldade que a polícia tem para se integrar no cotidiano dos moradores. (...) O Estado deveria trazer mais números sobre esse fenômeno do desaparecimento. Há uma necessidade de investigação para concluir se esses crimes tem relação ou não com a presença da polícia nas comunidades", disse.

"A polícia não quer discutir isso, não considera a hipótese [de um eventual desaparecimento ter relação com a UPP] e não abre uma investigação. A polícia sempre fica com o discurso que é mais conveniente para ela. Parte-se do pressuposto que os moradores denunciam mais", completou.

POR ANO

  • 64

    desaparecimentos em 2007

     

  • 86

    desaparecimentos em 2008

     

  • 89

    desaparecimentos em 2009

     

  • 119

    desaparecimentos em 2010

     

  • 97

    desaparecimentos em 2011

     

  • 98

    desaparecimentos em 2012

     

Soma das ocorrências registradas anualmente nas 18 primeiras favelas atendidas pela política das UPPs. Fonte: ISP (Instituto de Segurança Pública)

    Já o diretor do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), Itamar Silva, afirmou ser necessário "entender o mapa dos desaparecimentos" para definir novas diretrizes dentro da política de segurança pública fluminense. O especialista disse ainda que a implantação das UPPs dá origem a um novo debate sobre relação entre polícia e comunidade, que, segundo ele, é marcada até hoje por um "histórico de violência".

    "Historicamente, esses casos de desaparecimento sempre aconteceram nas favelas da capital e da Baixada Fluminense. Não há um tratamento investigativo adequado, talvez seja essa a diferença em relação a outras áreas da cidade. (...) A UPP ganhou um lugar na prateleira e passou a ser preservada. Falava-se apenas sobre os pontos positivos. Mas essa tensão já estava concentrada há muito tempo. Com o caso Amarildo, ela explodiu", opinou.

    Itamar declarou ainda que o caso Amarildo é "revelador do quão longe está a PM de ser uma polícia cidadã, que almeja a segurança para os moradores".

    "As pessoas pensam, em um primeiro momento, que a UPP veio pra dar segurança. Nesse sentido, nada parecido com o que ocorreu no caso Amarildo poderia acontecer na Rocinha. Uma pessoa desapareceu exatamente em uma ação da polícia e em um espaço controlado por ela. Isso faz com que o projeto perca credibilidade", afirmou.

    A reportagem do UOL solicitou entrevista com um representante da CPP (Coordenadoria de Polícia Pacificadora) para que ele comentasse o assunto, porém não houve resposta. A assessoria das UPPs não se pronunciou a respeito até o fechamento desta reportagem.

    DESAPARECIMENTOS ANTES E DEPOIS DAS UPPS

    UPP
    ANO ANTERIOR
    ANO DA INAUGURAÇÃO
    ANO SEGUINTE
    Santa Marta (2008)
    1
    0
    1
    Cidade de Deus (2009)
    18
    16
    49
    Batan (2009)
    5
    3
    2
    CM/Babilônia (2009)
    1
    2
    0
    Pavão-Pavãozinho (2009)
    5
    6
    6
    Tabajaras/Cabritos (2010)
    4
    4
    3
    Providência (2010)
    7
    5
    5
    Borel (2010)
    2
    12
    9
    Formiga (2010)
    1
    3
    5
    Andaraí (2010)
    5
    3
    6
    Salgueiro (2010)
    2
    2
    3
    Turano (2010)
    9
    4
    5
    Morro dos Macacos (2010)
    2
    3
    7
    São João (2011)
    2
    1
    3
    Fallet/Fogueteiro (2011)
    4
    2
    2
    Morro dos Prazeres (2011)
    3
    3
    6
    São Carlos (2011)
    8
    4
    9
    Mangueira/Tuiuti (2011)
    6
    4
    12
    TOTAL
    85
    77
    133
    • De acordo com o Instituto de Segurança Pública, os números coletados são atualizados na medida em que a Polícia Civil investiga os casos de desaparecimento. Se a polícia descobre, por exemplo, que a pessoa desaparecida foi vítima de homicídio, o ISP faz a atualização dos dois indicadores: o de desaparecimentos e o de homicídios.

    "Os Donos do Morro"

    O estudo "Os Donos do Morro: Uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro", coordenado pelo sociólogo Ignacio Cano, do LAV/Uerj (Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), já apontava em maio do ano passado um crescimento do número de pessoas que desapareceram em favelas pacificadas.

    Os pesquisadores, que tiveram acesso a dados exclusivos do ISP, constataram que o número médio de casos por mês e comunidade passou de 0,32, no período pré-UPP, para 0,71 na fase pós-instalação. Na relação dos mesmos índices por cem mil habitantes, a taxa média pulou de 3,60 para 6,92.

    "(...) os registros de desaparecimento aumentaram nas UPPs, desde 2009, em maior proporção do que no resto da cidade. Os desaparecimentos são um sinal de alerta para monitorar a possível subestimação de homicídios por esta via. Por outro lado, o aumento dos desaparecimentos também poderia responder a uma maior confiança na polícia e na sua capacidade de localizar as vítimas, visto que o registro de desaparecimento em geral está associado à esperança e à urgência de encontrar a pessoa", escreveu Cano.

    O sociólogo cita pesquisas que mostram que em uma ampla proporção dos casos em que os denunciantes foram re-localizados, pelo menos 70% das vítimas tinham reaparecido. Por outro lado, a proporção de homicídios nos casos esclarecidos era de apenas 7% em um dos estudos.

    Cano diz ser "improvável" que a crescente redução de homicídios nas áreas pacificadas esteja diretamente associada ao aumento no número de desaparecimentos. "Mas isto não significa que não seja preciso ficar alerta", ressalta.