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Investigação contra manifestantes presos esbarra em 'provas frágeis'

Guilherme Balza

Do UOL, em São Paulo

02/07/2014 06h00

As investigações contra oito manifestantes que chegaram a ser presos em flagrante durante protestos realizados em São Paulo, em meio à onda de manifestações de 2013, praticamente não avançaram ou foram arquivadas. A explicação, segundo os advogados dos manifestantes, é que os inquéritos se baseiam em provas frágeis e as imputações são abusivas. A SSP (Secretaria do Estado da Segurança Pública) informou que há inquéritos em andamento.

A maioria das acusações contra eles são as mesmas imputadas ao estudante e funcionário da USP (Universidade de São Paulo) Fábio Hideki Harano, 26, e ao professor de inglês Rafael Marques Lusvarghi, 29, ambos presos desde último dia 23, data em que participaram de um protesto contra a Copa do Mundo na avenida Paulista. Os dois respondem aos crimes de incitação à violência, resistência à prisão, desacato a autoridade e associação criminosa. Fábio também responde por porte de “artefato rudimentar incendiário”.  

Paulo Henrique - Moacyr Lopes Junior/Folhapress - Moacyr Lopes Junior/Folhapress
O estudante e comerciário Paulo Henrique Santiago dos Santos (à esq.), 22, durante transferência ao CDP
Imagem: Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Agressão a coronel

O estudante e comerciário Paulo Henrique Santiago dos Santos, 22, ficou 13 dias preso no CDP (Centro de Detenção Provisória) de Pinheiros, na zona oeste da capital paulista. Ele participava de um protesto no Parque Dom Pedro (centro), em 25 de outubro, no qual o coronel da Polícia Militar Reynaldo Simões Rossi foi espancado por um grupo de manifestantes mascarados.

As provas para indiciá-lo foram um depoimento de outro policial militar que socorreu Rossi e imagens divulgadas pela imprensa em que Paulo Henrique aparecia perto do coronel no momento das agressões. Nos registros usados como prova, o estudante não estava agredindo o coronel e não usava máscara. Ainda assim, ele foi indiciado no 1º Distrito Policial (Liberdade) por associação criminosa e tentativa de homicídio.

O juiz Alberto Anderson Filho, da 1ª Vara do Tribunal do Júri do Fórum Criminal da Barra Funda, chegou a rejeitar um pedido de liberdade provisória, mesmo admitindo ter dúvidas sobre a participação de Paulo Henrique nas agressões ao coronel. Dias depois, reviu a decisão e soltou o estudante.

Em junho, laudo da Polícia Civil que analisou mais de 200 imagens concluiu que não ser possível afirmar, a partir dos registros, que Paulo Henrique tenha participado das agressões. O inquérito que investiga a agressão ao coronel, no entanto, permanece em andamento. “O vídeo [com as agressões] gerou sérias dúvidas sobre a autoria dele. Ou melhor, gerou até a certeza de que ele não fez nada. Todas as circunstâncias eram favoráveis a ele”, afirmou o advogado Guilherme Braga. 

Casal - J.Duran Mchfee/Futura Press/Adriano Lima/Brazil Photopress/Arte/UOL - J.Duran Mchfee/Futura Press/Adriano Lima/Brazil Photopress/Arte/UOL
Montagem com Luana Bernardo Lopes e Humberto Caporalli, presos durante protesto de 7 de outubro em São Paulo
Imagem: J.Duran Mchfee/Futura Press/Adriano Lima/Brazil Photopress/Arte/UOL

Lei de Segurança Nacional

Em 7 de outubro de 2013, a estudante de moda Luana Bernardo Lopes, 19, e o namorado dela, o pintor e artista plástico Humberto Caporalli, 24, foram presos em flagrante por policiais civis durante um protesto perto da praça da República. Eles caminhavam perto do local onde um carro da Polícia Civil foi destruído.

O casal foi indiciado por vários crimes, entre eles formação de quadrilha, dano qualificado e incitação ao crime. Pela suspeita de terem depredado o carro da polícia, ambos foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional --algo raro desde o fim da ditadura militar-- que prevê a prisão para “sabotagem contra instalações militares” e é inafiançável.

Os boletins de ocorrência foram feitos com base nos depoimentos de três policiais civis do 3º Distrito Policial (Campos Elíseos). Apesar de não presenciarem os fatos, os policiais afirmaram que o casal pichou prédios, incitou a violência e ajudou um grupo a virar o carro da polícia de ponta cabeça. Os dois chegaram a ficar três dias presos em CDPs (Centros de Detenção Provisória).

Com os dois foram apreendidas quatro latas de spray, uma cápsula de bomba de gás lacrimogêneo usada, fotos dos atos de vandalismo --pichações e a depredação do carro da polícia-- que estavam em uma máquina fotográfica e poesias de protesto. À Polícia Civil, Humberto disse que a cápsula era de uma bomba jogada pela Polícia Militar no protesto e afirmou que as latas de spray eram seu material de trabalho. Ambos negaram participação nas depredações.

Em junho, o juiz Marcos Vieira de Morais mandou arquivar o inquérito referente às acusações contra Luana. Para o magistrado, as provas apresentadas pela polícia são “frágeis e totalmente inconsistentes” e que não foram encontrados “indícios mínimos” para o indiciamento de Luana nos crimes imputados a ela. “Prender alguém porque tirou foto é um absurdo. É uma acusação esdrúxula, não fica de pé. Não havia qualquer prova. Sem falar no excesso acusatório”, afirmou o advogado Leopoldo Vieira, que defende Luana. 

Jornalista - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
O jornalista Thiago Carvalho Frias, 31, preso pela Rota durante protesto no dia 30 de julho
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Cinco presos

Outro inquérito que não avançou é o que investiga cinco manifestantes presos pela Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) --tropa de elite da PM-- em 30 de julho, durante um ato nos arredores da avenida Rebouças, na zona oeste de São Paulo. São eles o designer gráfico Nicolas Gomes de Deus, 20; a operadora de telemarketing Andressa dos Santos, 20; os estudantes Bruno Mendes e Francisco de Campos Lopes, ambos com 21 anos; e o jornalista Thiago Carvalho Frias, 31.

Segundo a versão da polícia, os cinco foram autuados em flagrante porque participaram da depredação de agências bancárias e de um carro da Rota. Os quatro foram indiciados por desacato, dano qualificado e resistência à prisão. Eles também foram indiciados por formação de quadrilha, mas a imputação foi retirada posteriormente.  

Os quatro homens ficaram três dias presos no CDP de Pinheiros e Andressa foi levada ao CDP de Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Todos foram soltos depois de pagar fiança de três salários mínimos.

O advogado Luiz Guilherme Ferreira, defensor dos cinco, afirma que nenhum deles participou de qualquer ato de vandalismo durante o protesto. “As provas são sempre muito frágeis. As prisões são ilegais. Não houve nenhum flagrante real. Eles simplesmente pegam, levam a pessoa e imputam o que eles quiserem.” 

Rafael e F[abio - Avener Prado/Folhapress - Avener Prado/Folhapress
Rafael Lusvarghi (à esq.) e Fabio Hideki Harano foram presos após protesto anti-Copa na av. Paulista
Imagem: Avener Prado/Folhapress

Outro lado

Procurada pela reportagem, a SSP não se pronunciou sobre as investigações dos casos e não quis rebater os questionamentos dos advogados. Segundo o órgão, “a Polícia Civil esclarece que os inquéritos estão em andamento para que testemunhas sejam ouvidas e provas periciais, apresentadas".

Sobre as prisões de Fábio Hideki e Rafael Lusvarghi, a SSP não informou qual era o objeto “rudimentar incendiário” em posse de Fábio e não detalhou quais atos criminosos o estudante e o professor cometeram durante o protesto do dia 23.