Sitiados pela insegurança, moradores estão aflitos para retomar rotina no ES
“Como está a cidade? Você acha que hoje isso tudo termina?”, pergunta uma moradora do bairro da Prainha, em Vila Velha, na grande Vitória. Por "tudo isso" ela se referia à paralisação informal da Polícia Militar puxada pelos familiares dos agentes que mudou a rotina do Estado desde sábado (4).
Com as notícias de saques e assaltos que chegam pela imprensa e pelas redes sociais, boa parte dos capixabas evitou sair de casa nesta terça-feira (7), dando à capital ares de feriado.
Apesar da presença do Exército e da Força Nacional, foram poucas as lojas que abriram as portas e os ônibus funcionaram apenas até 19h; quase ninguém caminhava pelas ruas e mesmo o movimento de carros na congestionada Vitória era pequeno pela manhã.
Dono de um restaurante aos pés do Convento da Penha, um dos principais pontos turísticos do Espírito Santo, o comerciante Renato Leite não vê a hora de retomar a rotina. “As pessoas estão aflitas, querem voltar à vida normal”, diz.
Com o restaurante fechado desde segunda-feira (6), ele calcula em ao menos R$ 2 mil seu o prejuízo. Ele também não foi capaz de pagar nem receber contas de fornecedores e disse que não conseguiu sacar dinheiro. “Os bancos estão fechados e não há o que sacar nos caixas eletrônicos.”
O santuário, que costuma abrir das 5h30 às 18h30, sofreu mudanças no calendário. Os portões, normalmente escancarados, estão fechados, e é preciso se aproximar e falar com o vigia para visitar o local. Na segunda, um grupo de moradores assustados com os boatos de arrastão pediu para guardar os carros dentro dos portões do convento, conta um dos funcionários. A administração deixou que três motoristas estacionassem o carro na área do santuário.
A estudante de técnica em enfermagem Janeci Santos, 31, até tentou sair de casa. Ao ouvir que o Exército estaria nas ruas, pegou a bicicleta e seguiu para a faculdade: encontrou os portões da universidade fechados, assim como boa parte das lojas em seu bairro, também em Vila Velha.
"Falaram que o Exército tinha chegado, achei que estaria tudo bem e tomei coragem de sair na rua, mas estava tudo vazio", diz. Ela conta que, por volta das 6h30, ouviu tiros em seu bairro: "A gente já acorda assustado."
Moradora de Itapatinga (MG), a cerca de 400 km de Vitória, a dona de casa Maria Lúcia Ferreira, 59, veio com os três filhos e suas famílias até Guarapari, no litoral do Estado, para passar uma semana de férias. Hospedada em um hotel à beira-mar, viu da sua varanda um grupo de jovens atirando uns contra os outros na orla. Preferiu ficar até esta quarta-feira (8), como havia planejado, mas dois dos filhos voltaram para Minas já na segunda de manhã.
“Viemos em três carros, dois já foram embora logo depois do que aconteceu domingo. Fiquei com medo, mas já vim até aqui...”
No entanto, a turista preferiu deixar boa parte dos passeios de lado e ficar mais entre o hotel e a praia.
Vizinha ao quartel central da PM em vitória, a manicure Marisene da Silva Feu, 32, passou parte do dia observando o protesto dos familiares de PMs do outro lado da rua. "Não tem ônibus, não tem escola, você não pode sair para comprar pão", reclama.
Ela diz que passou o dia em casa, cuidando dos quatro filhos, que não puderam ir à escola. "Se eu não trabalho eu não recebo, minhas clientes não vêm. Como eu pago minhas contas? O que faço com meus filhos?"
Filha de policial militar, ela discorda do método empregado pelas famílias e pelos PMs. Considera que não estão pensando na população e lembra as mortes que já ocorreram –75, na última contagem realizada pelo Sindicato de Policiais Civis.
"Esse protesto cheira sangue, já morreram mais de 60 pessoas, o que mais elas querem?", questiona.
Nesta quarta-feira, os moradores de Vitória novamente terão problemas: o Sindirodoviários (Sindicato dos Rodoviários do Espírito Santo) proibiu a circulação dos coletivos devido a ataques que ocorreram contra as frotas.
Entenda a crise no Espírito Santo
No sábado (4), parentes de policiais militares do Espírito Santo montaram acampamento em frente a batalhões da corporação em todo o Estado. Eles reivindicam melhores salários e condições de trabalho para os profissionais.
A Justiça do Espírito Santo declarou ilegal o movimento dos familiares dos PMs. Segundo o desembargador Robson Luiz Albanez, a proibição de saída dos policiais caracteriza uma tentativa de greve por parte deles. A Constituição não permite que militares façam greve. As associações que representam os policiais deverão pagar multa de R$ 100 mil por dia pelo descumprimento da lei.
A ACS-ES (Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar do Espírito Santo) afirma não ter relação com o movimento. Segundo a associação, os policiais capixabas estão há sete anos sem aumento real, e há três anos não se repõe no salário a perda pela inflação.
A SESP (Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social) contesta as informações passadas pela associação. Segundo a pasta, o governo do Espírito Santo concedeu um reajuste de 38,85% nos últimos 7 anos a todos os militares e a folha de pagamento da corporação teve um acréscimo de 46% nos últimos 5 anos.
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