Ex-PM diz que "delator" do caso Marielle é policial da ativa e age por vingança
Orlando Oliveira Araújo, ex-policial militar e acusado de chefiar uma milícia da zona oeste do Rio de Janeiro, afirma que a testemunha-chave do caso Marielle Franco (PSOL) é um PM da ativa que estaria agindo por vingança. O ex-policial é apontado, de acordo com reportagem do jornal "O Globo", como o mandante do assassinato da vereadora, atingida por quatro tiros na cabeça em uma emboscada na região central do Rio de Janeiro, em 14 de março.
Araújo está preso preventivamente no complexo penitenciário de Bangu por outros dois crimes (homicídio e posse ilegal de arma de fogo). Do presídio, ele escreveu uma carta negando as acusações e se colocando à disposição dos investigadores do caso Marielle. O UOL teve acesso ao documento, divulgado inicialmente pelo jornal "O Dia".
O ex-PM afirma que o delator é chefe da milícia que atua "em conjunto com o tráfico de drogas" no Morro do Banco, na região do Itanhangá, na zona oeste carioca. O advogado de Araújo, Renato Darlan, afirmou à reportagem que seu cliente ainda não foi ouvido pela Polícia Civil, mas que "tem muito o que falar".
Segundo a defesa, o ex-PM e o delator trabalhavam juntos com segurança de eventos e teriam brigado por uma questão referente ao trabalho. Ainda na versão do advogado, Araújo chefiava o grupo de "seguranças" (PMs que vendem seus serviços na folga, o que é conhecido como "bico") e teria afastado o policial após descobrir o envolvimento dele com o grupo paramilitar.
Araújo é tido pela Polícia Civil fluminense como o principal nome da milícia que dita as regras em Curicica e em outras localidades de Jacarepaguá, como Taquara, Vargem Pequena e Vargem Grande, e na comunidade do Terreirão, no Recreio dos Bandeirantes, todas na zona oeste carioca.
É a mesma área que abrange o reduto eleitoral do vereador e líder do PHS na Câmara Municipal, Marcello Siciliano, que, também de acordo com a versão da testemunha-chave, teria encomendado a morte de Marielle em coautoria com o ex-PM. Na quarta (9), Sicliano negou envolvimento com o crime e disse que tinha boa relação com Marielle na Câmara Municipal. Os dois chegaram a propor projetos de lei juntos, conforme o UOL mostrou em reportagem publicada nesta quinta.
O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, confirmou nesta quinta que Araújo e Siciliano são investigados. Procurada, a Polícia Civil não comenta se o ex-PM e o vereador são considerados oficialmente suspeitos do crime.
Araújo diz que nunca participou de qualquer reunião ou encontro com Siciliano --a versão é corroborada pelo vereador-- e que desconhecia Marielle.
Procurada, a PM informou não ter sido "comunicada sobre o envolvimento de policiais militares no caso em questão". "Até o presente momento, as informações divulgadas na imprensa sobre a participação de integrantes da corporação não foram confirmadas pela esfera investigativa. A Polícia Militar continua colaborando para a elucidação desse crime."
Darlan revelou ainda que, durante a última madrugada, Araújo foi transferido para a Penitenciária Laércio da Costa Pellegrino (Bangu 1), unidade considerada de segurança máxima pelo governo estadual. O defensor afirma que o acusado se sente ameaçado e que já sofreu uma tentativa de envenenamento na cadeia onde estava anteriormente (Bangu 9).
"Estamos muito preocupados, principalmente com a alimentação dele. Desde que colocaram veneno na comida dele, em Bangu 9, ele passou a se alimentar apenas com o que era levado pela família. E isso certamente não vai ocorrer em Bangu 1 porque os procedimentos lá são muito mais rígidos."
Ex-PM responde por homicídio
Araújo responde a dois processos, sendo um por homicídio contra o presidente da Escola de Samba de Curicica, Wagner Souza, o Dádi, em 2015, e um por posse ilegal de arma de fogo. Segundo o advogado Renato Darlan, o ex-PM nega envolvimento com a milícia de Curicica e contesta as acusações que lhe foram imputadas. Ele atuaria apenas como um "líder comunitário".
À época da morte de Wagner, Araújo tinha cinco títulos como sócio-proprietário da escola de samba. Mas o assassinato de Wagner, narra a denúncia do Ministério Público, estaria relacionada com a instalação de um circo em um terreno que pertence à agremiação. Wagner teria autorizado o uso do espaço sem a permissão de Orlando, apontam as investigações.
"O crime foi cometido por motivo torpe, já que a razão foi o fato de a vítima Wagner ter alugado um terreno para um circo sem pedir a autorização do denunciado Orlando Oliveira de Araújo, miliciano conhecido na região", escreveu o MP.
Wagner foi morto a tiros em circunstâncias semelhantes ao caso Marielle. Um carro teria emparelhado junto ao veículo da vítima, e dois homens efetuaram vários disparos.
Uma mulher que estava no automóvel conseguiu sobreviver e, em depoimento à polícia, disse que um dos executores trabalhava como segurança de Araújo. Posteriormente, à Justiça, voltou atrás e apresentou outra versão. O processo ainda está tramitando no 3º Tribunal do Júri do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio).
"A morte do Wagner só trouxe prejuízo para o Orlando. O Orlando foi um dos maiores apoiadores na candidatura a presidente [da escola de samba], ele possuía ou possui cinco títulos de sócio-proprietário. Ele praticamente elegeu o Wagner presidente da escola. Como o Orlando praticava segurança de eventos, a escola de samba seria naturalmente o maior cliente dele. Atrapalhou e muito os negócios do Orlando", afirmou o advogado.
"Não há elementos suficientes para condenar ninguém nesse processo. (...) Tanto a vítima sobrevivente quanto os parentes do próprio Wagner afirmaram categoricamente que a questão do terreno, do circo e da própria escola de samba nada tiveram a ver com o suposto assassinato", argumentou.
Testemunha-chave
O homem que prestou depoimento à Divisão de Homicídios também mencionou, segundo reportagem de "O Globo", o nome de outros dois policiais militares que teriam participado da emboscada que resultou na morte de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes. Seria um lotado no 16º BPM (Olaria) e um ex-PM que havia trabalhado no 22º BPM (Maré).
Procurada, a assessoria de imprensa da Polícia Civil reiterou que o caso permanece em sigilo. A reconstituição do crime foi marcada para a noite desta quinta (10).
O delator teria dito à polícia já ter feito parte da milícia supostamente chefiada por Araújo e que teria presenciado reuniões dele com Siciliano. Foram fornecidos, de acordo com o jornal carioca, detalhes como datas, horários e locais dos encontros. O depoente procurou a polícia em busca de proteção, já que temia ser morto, afirmou "O Globo".
Na versão da testemunha, a motivação do crime foi uma desavença entre Marielle e Siciliano por conta da expansão das ações comunitárias da vereadora na zona oeste e sua crescente influência em áreas de interesse das milícias.
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