Água de casa e caixa limpa: com crise no RJ, volta às aulas causa apreensão
O prazo para a melhora da qualidade da água no Rio estimado pelo governador Wilson Witzel (PSC) terminou na última quinta-feira (30), mas moradores continuam relatando gosto de terra e cheiro ruim na água. Sem que a crise de abastecimento tenha sido solucionada, a volta às aulas nesta semana tem deixado mães e pais preocupados.
Especialistas dizem que não há motivo para pânico mediante a adoção de reforço de higiene. Além de terem limpado suas caixas d'água e cisternas, escolas têm orientado os alunos a levarem garrafas de água de casa. Mas, apesar de a Cedae dizer que a água é potável, a população segue apreensiva.
É o caso da advogada Gisele Marques, que decidiu esperar mais duas semanas para enviar o menino Arthur, de um ano, à creche.
"Estou preferindo deixá-lo em casa com a minha secretária. Ele tem uma alergia de pele —uma dermatite que provoca coceiras e irritação. O banho em casa tem sido de água mineral. Na creche não seria, por isso optei por deixá-lo em casa, mas uma hora não vai ter jeito. Estou bem preocupada com essa situação", contou ela ao UOL.
A dona de casa Juliana Mendes planeja mandar com o filho para a escola ao menos duas garrafas de água mineral por dia.
"Um calorão desse [...] imagina se apenas uma garrafa de água vai ser suficiente para a tarde toda? Não vai. Geralmente meu filho leva uma de casa e vai enchendo na escola ao longo do dia. Agora vai ter que sair de casa com pelo menos duas garrafas como já ando fazendo para irmos ao futebol."
No final das férias, algumas escolas comunicaram aos responsáveis, a fim de tranquilizá-los, medidas adotadas para contornar o problema. O comunicado de uma escola particular do bairro de Laranjeiras, na zona sul carioca, aventava a possibilidade de acionar carros-pipa com água de municípios não abastecidos pelo Rio Guandu, origem do problema.
"Informamos que (...) as nossas cisternas e caixas d'água estarão sendo limpas e todos os filtros dos bebedouros, trocados. Persistindo o problema da má qualidade da água, contrataremos carros-pipa d'água de outros municípios para uso dos que frequentam cotidianamente este espaço. Estamos ainda pedindo-lhes que, por razões de maior higiene, cada aluno traga a sua garrafinha com água", dizia o comunicado.
Já na rede municipal de ensino, que volta às aulas no dia cinco deste mês, a diretora de um Ciep (Centros Integrados de Educação Pública) disse que a orientação foi realizar a limpeza da cisterna. Na mesma escola, os bebedouros não deverão ser usados.
"O que a gente procurou fazer nas escolas foi fechar o registro, pois janeiro praticamente não tem consumo, então foi fechado o registro para não entrar água contaminada. Então, imagino que a água da cisterna esteja preservada, mas, além disso, houve a orientação de limpar as caixas da água, antes da volta às aulas", contou a diretora.
Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde confirmou que as cisternas das unidades estão passando por novas limpezas e que, caso seja necessário, as unidades oferecerão água mineral.
Já a Secretaria Estadual de Educação não se pronunciou sobre as medidas adotadas na rede para driblar a crise de abastecimento.
Recomendações para uso da água com crianças
Apesar de testes feitos pela Cedae dizerem que a água é potável, especialistas recomendam o consumo de água mineral também durante o período escolar.
De acordo com a pediatra Rafaella Leal, membro da Soperj (Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro), pouco se sabe sobre os reais riscos causados pela geosmina —substância liberada por algas que provoca gosto de terra e cheiro ruim na água.
Logo, a recomendação é que as crianças levem para a escola água mineral e evitem bebidas de origem desconhecida, como sucos ou refrescos que possam ter usado água de filtro.
Também é sugerido que os alunos levem nas mochilas álcool gel para higienização das mãos.
"Ainda há poucos estudos sobre a geosmina. Acredita-se que ela não faça mal, mas os estudos ainda são precários nesta área. As crianças são naturalmente mais frágeis e, por isso, é importante redobrar a atenção com os cuidados. Não custa enviar uma garrafinha com água mineral de casa, evitar consumo de sucos e refrescos fora de casa. Escovar os dentes com água na torneira não tem problema, desde que a criança já saiba cuspir. Depois, é só reforçar a higiene com álcool gel nas mãos", conclui a especialista.
No caso de bebês, a médica reforça que não se deve usar a água da torneira para banho.
"A grande questão é que alga se alimenta de coliformes fecais, por isso essa água não deve utilizada em crianças pequenas. Uma solução na ausência de água mineral é usar a água do filtro e fervê-la em seguida. É boa técnica para garantir a higiene", recomenda.
O conselheiro do Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) André Luiz Costa compartilha da mesma opinião.
"Não existe na história da humanidade nenhuma doença relacionada à geosmina. A maioria das dores e diarreias não tem a ver com a geosmina. É virose mesmo, gastroenterites comuns nesta época do ano. Agora, [a geosmina] é um elemento diferente. A gente não tem relatos, mas também não tem comprovação de segurança dessa substância. O ideal é ingerir água mineral ou em casa, ela pode ser filtrada e fervida, principalmente com carvão ativado", esclarece o médico.
Tratamento com carvão ativado e argila
Desde 6 de janeiro, mais de 9 milhões de consumidores têm sentido as consequências da liberação de geosmina nas águas do Rio. Especialistas relacionam a presença da geosmina à falta de tratamento de esgoto lançado em rios que compõem a bacia do Rio Guandu.
Quando questionado na semana passada sobre o prazo para melhoria da água fornecida pela Cedae, Witzel disse "não sou químico para saber, vou perguntar a eles".
Há duas semanas, docentes da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) afirmaram que há riscos à saúde da população na água fornecido pela empresa. "Há uma evidente degradação ambiental dos mananciais que são utilizados para o abastecimento público da região metropolitana do Rio", afirmou a universidade por meio de nota divulgada pela Reitoria.
"Essa degradação compromete a qualidade da água, dificulta seu tratamento e pode colocar em risco a população", completa o comunicado. No mesmo dia, o presidente da Cedae, Hélio Cabral, pediu desculpas à população pelos transtornos.
A Cedae iniciou no último dia 23 o tratamento da água com carvão ativado que retira a geosmina da água. O carvão ativado tem a capacidade de coletar seletivamente gases, líquidos e impurezas no interior dos seus poros, sendo por isso utilizado em sistemas de filtragem.
Segundo a companhia, a substância não faz mal à saúde. Outra medida anunciada para melhorar a qualidade da água é a aplicação de argila ionicamente modificada para impedir a proliferação de algas. A argila foi lançada no dia 29 na lagoa próxima à captação de água da Estação de Tratamento do Guandu.
De acordo com a Cedae, o produto indisponibiliza o fósforo, nutriente que permite o crescimento das algas. A argila já é usada nos estados do Rio Grande do Sul e da Bahia e, segundo a empresa, já foi utilizada no Reino Unido. O produto tem registro junto ao Ibama e foi licenciado pelo Inea (Instituto Estadual do Ambiente). De acordo com a companhia, a argila é eficaz e segura do ponto de vista ambiental.
Apesar das ações, a Cedae ainda não soube explicar o que pode ter causado a turbidez da água que chega à população —a geosmina não causa turbidez. Questionado, o presidente da companhia não estipulou prazo para que a crise no abastecimento seja resolvida. A extensão do problema e o número de domicílios afetados também não foram informados.
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