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Coronavírus: No pior cenário, 10 mil presos podem precisar de UTI no Brasil

Gatsi/iStock
Imagem: Gatsi/iStock

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

04/04/2020 04h02

Pelo menos dez mil presos podem precisar de internação em unidades de terapia intensiva (UTI) em hospitais de todo o país, devido a complicações decorrentes da covid-19, caso se repita no Brasil o mesmo cenário de propagação da doença observado em países asiáticos e europeus.

"Tomando como referência os acontecimentos nos países asiáticos e europeus, se o cenário de lá se repetir no Brasil, estima-se que 80% da população carcerária seja contaminada pelo vírus, a maioria de forma branda ou assintomática; desses, estima-se que cerca de 20% pode precisar de internação e que desses, estima-se que 8% pode precisar de leito de UTI".

A afirmação é da juíza Leila Cury, da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal, em ofício enviado ao ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal.

Os percentuais citados pela magistrada são baseados em informações técnicas do infectologista Luiz Antônio Teramussi, membro das equipes de saúde prisional da Secretaria da Saúde do Distrito Federal. Lá, um agente penitenciário que trabalha na Papuda recebeu ontem diagnóstico positivo para covid-19.

Considerando que a população carcerária do país gira em torno de 800 mil detentos, de acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o UOL chegou à estimativa de 10 mil presos citada na reportagem.

Números desencontrados

Segundo números oficiais divulgados pelas autoridades, não há diagnóstico de coronavírus entre detentos até o momento.

Porém, começam a surgir relatos sobre presos internados em hospitais com problemas respiratórios em diversos estados e de mortes cujas causas não foram identificadas. Informações desencontradas divulgadas pelos órgãos prisionais indicam também uma possibilidade de subnotificação que poderia chegar a níveis alarmantes.

Presos com problemas respiratórios já ocupam leitos de UTI. Pelo menos um detento da Penitenciária I de Mirandópolis, no interior paulista, ficou internado em um leito do tipo no hospital público da cidade, entre os dias 17 e 30 de março, informou um juiz paulista em ofício ao ministro Lewandowski. Ele permanece isolado na enfermagem até que o resultado do exame para covid-19 seja conhecido. Há outros três sentenciados na cidade que foram internados no mesmo hospital.

A SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) de São Paulo informou que 86 servidores foram afastados por suspeita de coronavírus e que não há caso confirmado entre presos e funcionários do sistema. A informação contraria declaração do titular da pasta, Nivaldo Restivo, que afirmou à imprensa no último dia 23 que um agente penitenciário de Praia Grande (SP) testou positivo para coronavírus.

"A todo momento surgem relatos de casos e de presos e de agentes que apresentam sintomas semelhantes à covid-19. Mesmo determinado pela Justiça, a maioria das prisões não recebeu kits de máscaras e álcool em gel para o trabalho dos funcionários", diz Fábio Ferreira, presidente do Sindicato dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo.

Relatos de mortes de presos com problemas respiratórios, sem que a causa fosse diagnosticada, surgiram em Minas Gerais, Rio de Janeiro, e no próprio estado de São Paulo, segundo apurou o UOL.

No Ceará, a Justiça determinou abertura de uma investigação sobre a morte de um preso da Casa de Privação Provisória de Liberdade Agente Elias Alves da Silva, localizada em Itaitinga, no interior do estado.

George Ivan Dionísio da Silva morreu depois de sofrer insuficiência respiratória. O corpo foi submetido a necropsia por ordem da Justiça cearense e o resultado ainda não é conhecido.

Apesar disso, a Secretaria de Administração Penitenciária cearense afirma não haver registros de casos suspeitos ou confirmados de coronavírus nas prisões do estado.

Dados sugerem subnotificação

O painel de acompanhamento da crise criado pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), órgão ligado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública, informa que há 113 casos suspeitos de coronavírus entre presos no Brasil. Porém o desencontro de informações dá margem à subnotificação.

Os números do Depen se referem somente a quatro estados: Minas Gerais (34), Rio Grande do Sul (34), São Paulo (24) e Santa Catarina (21).

No banco de dados do departamento, Roraima aparece sem caso suspeito. Não contabiliza dois presos na cidade de Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, que apresentaram sintomas semelhantes à covid-19 de acordo com a Justiça do estado.

Procurado pela reportagem, o governo de Roraima não respondeu aos questionamentos. Já o Depen afirmou que as informações que o órgão utiliza são de responsabilidade dos estados.

"A tendência é que o sistema prisional tenha uma subnotificação de casos de coronavírus ainda maior do que em outros setores", afirmou o advogado Marcos Fuchs, diretor jurídico da ONG Conectas Direitos Humanos e ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.

No Rio Grande do Sul, estado com o maior número de suspeitas ao lado de Minas Gerais, um preso de Bagé, na fronteira com o Uruguai, contraiu o coronavírus fora da cadeia, em meados de março. Ele foi internado em um hospital da cidade, onde pelo menos cinco médicos também testaram positivo para covid-19.

Com resultado confirmado, o preso obteve da Justiça o benefício da prisão domiciliar. Antes de ir para casa, ele voltou à cadeia para pegar seus pertences e ter sua saída registrada no sistema.

"Infelizmente, ele esteve em contato sem proteção com seis agentes penitenciários, que foram afastados do trabalho por uma semana. Mas ele não teve contato com outros presos", informou Saulo Felipe, presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Rio Grande do Sul.

A respeito dos casos suspeitos, a Secretaria da Administração Penitenciária gaúcha afirma que os presos nesta situação "estão isolados nos próprios estabelecimentos prisionais, em áreas já existentes reservadas para atendimento de apenados que estejam com qualquer doença de rotina".

Já a SAP de São Paulo afirmou que "além das medidas de higiene e distanciamento preconizados pelos órgãos de saúde, foram suspensas as atividades coletivas, realizada a busca ativa para casos similares à covid-19 e a limpeza das áreas foi intensificada", além de outras medidas.

Ministro do STF requisitou informações em nível nacional

O ministro Lewandowski determinou há duas semanas que autoridades prisionais e judiciárias informassem quais medidas foram adotadas para evitar a propagação do coronavírus nas prisões brasileiras. O ofício de Cury é uma das respostas enviadas pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Até o momento, órgãos de 12 estados e do Distrito Federal prestaram as informações solicitadas sobre as medidas adotadas nas prisões para combater o coronavírus.

Especialistas como a pneumologista da Fundação Oswaldo Cruz Margareth Dalcomo já alertaram publicamente sobre uma eventual catástrofe nos presídios brasileiros, caracterizados pela estrutura precária e superlotação.

"Se já é uma catástrofe humana hoje, com uma virose desse grau de transmissibilidade, eu considero uma catástrofe geométrica", afirmou a médica, em entrevista à rádio Brasil Atual.

Existem hoje cerca de 14,8 mil leitos de UTI para adultos disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde). A estimativa de entidades de médicas é a de que cerca de 90% já estejam ocupados.

Na última terça-feira (31), o ministro da Justiça, Sergio Moro, afirmou "não existir nenhum motivo para um temor infundado em relação ao sistema penitenciário. Não existe nenhum caso confirmado de infectado."