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"PMs balearam meu marido, meu filho e os deixaram no chão", diz manicure

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

20/07/2020 18h23

O zelador Marcelo Monteiro Silva, 46, não imaginou que, ao tentar ajudar um PM que teve uma queda de moto em uma perseguição, iria ser baleado na perna, veria seu filho também ser baleado e ainda por cima receberia voz de prisão no hospital após ser submetido a cirurgia. Mas foi o que aconteceu na noite de ontem, na favela do Sapé, no Butantã, zona oeste da capital paulista, segundo familiares e testemunhas.

O filho dele, Abraão de Araújo Silva, 21, tentou filmar a ação do PM. O policial mandou ele parar de gravar e entregar o celular. Ele se recusou. Ao dar as costas para o policial, também foi baleado na perna. O PM pegou o aparelho que continha as imagens e jogou fora, em um rio. O caso é investigado pela Polícia Civil e pela Corregedoria da PM. Ao contrário do que dizem os moradores da favela, o PM afirmou que atirou porque tentaram roubar sua arma.

"O que aconteceu foi o seguinte: tinha uns moleques empinando moto na [avenida] Politécnica. Os PMs deram ordem de parada e os motoqueiros entraram na favela. Lá, um dos PMs caiu. A rapazeada deu risada. Nisso, o PM falou: 'chega aí, chega aí'. Todo mundo foi achando que ele tava precisando de ajuda. Chegando lá, ele atirou", afirmou um homem que estava no local e que pediu para não ser identificado por temer represálias da PM.

O zelador estava com a mulher, a manicure Cirlene Maria da Conceição, 40, em uma festa de aniversário de um amigo do bairro que ocorria na calçada. Casados há 23 anos, o zelador e a manicure vivem na favela desde o matrimônio. Lá, são muito queridos. "Tiração o que fizeram, um absurdo, isso aconteceria em Alphaville ou com desembargador?", questionou outra testemunha da ação. A família está sendo acompanhada por advogado da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio.

"Como dão voz de prisão contra a vítima?"

Cirlene teve de se desdobrar hoje para tentar obter informações sobre seu marido e sobre seu filho. O marido está no Hospital Universitário da USP. O filho, no hospital Vila Alpina, na zona leste. Ela explicou que o filho atravessou a cidade porque só na zona leste havia ortopedista disponível para atendê-lo, segundo informaram a ela. "O estado de saúde deles é estável, mas deram voz de prisão ao Marcelo. Como dão voz de prisão contra a vítima?", questionou.

Marcelo Monteiro Silva, 46, baleado por PM, ao lado da mulher, Cirlene Maria da Conceição, 40 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Marcelo Monteiro Silva, 46, baleado por PM, ao lado da mulher, Cirlene Maria da Conceição, 40
Imagem: Arquivo Pessoal

"Durante a perseguição aos motoqueiros, os meninos deram uma volta na rua em que a gente estava. Quando o PM caiu e chamou quem estava dando risada, um rapaz, percebendo a agressividade do PM, começou a fazer filmagem. O PM tomou o celular da mão dele e jogou no rio. O Marcelo perguntou: 'Por que tudo isso?', e, na hora em que levantou os braços, tomou um tiro na perna", afirmou a manicure.

Ela acrescentou: "Meu filho pegou o celular para gravar. E começou a falar: 'Para quê isso, senhor? É meu pai, é meu pai'. O mesmo PM que atirou no Marcelo ordenou que ele entregasse o celular, mas meu filho se recusou. Quando meu filho deu as costas para o policial, com o intuito de correr para preservar as imagens feitas, o PM atirou na perna dele. Depois, pegou o celular da mão dele e também jogou no rio."

Ainda de acordo com a manicure, após balear pai e filho, os PMs não prestaram socorro. "Balearam meu marido, meu filho e deixaram no chão. A gente que socorreu eles para o hospital. Os PMs foram embora", disse a mulher. Segundo ela, além de Marcelo e Abraão, um outro rapaz foi baleado na barriga e está em estado de saúde grave no Hospital Universitário, e uma outra mulher sofreu tiro de raspão, foi atendida e já está em casa.

A impressão que eu tenho da PM é péssima. Quem deveria passar segurança para a gente comete esse tipo de arbitragem. O que os policiais ganham fazendo isso?
Cirlene Maria da Conceição

Ação da PM na favela do Sapé

De acordo com moradores da favela do Sapé, quatro pessoas foram baleadas ao todo. A PM afirma que uma viatura foi atingida por um disparo de arma de fogo na região ontem à noite. Após o caso, moradores atearam fogo a caçambas de lixo da região e em um ônibus na rodovia Raposo Tavares como forma de protesto.

"Moradores tentaram tomar armamento dos policiais, houve disparos de arma de fogo. Os PMs pediram apoio, a polícia chegou, tentou fazer incursão na comunidade. Um disparo atingiu a viatura do comando da PM", disse a corporação na noite de ontem.

A Polícia Civil disse que investiga, por meio de inquérito policial instaurado pelo 14º DP (Distrito Policial), em Pinheiros, "a prisão de dois homens, após terem sido baleados durante uma ação, ocorrida na comunidade do Sapé, zona oeste, na noite de domingo (19)".

O 51º DP (Distrito Policial), no Rio Pequeno, "apura a depredação e incêndio a três ônibus ocorridos durante o tumulto. Na ocasião, a PM foi hostilizada, após tentar abordar um grupo de motociclistas que estaria envolvido em roubos a motos na avenida Politécnica".

De acordo com a SSP (Secretaria da Segurança Pública), "além dos baleados, outras duas pessoas e dois policiais ficaram feridos. Os fatos também são analisados em inquérito policial militar instaurado pelo 23º batalhão e acompanhado pela Corregedoria da instituição".