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TJ manda Justiça receber denúncia contra PMs que mataram garoto de 10 anos

Menino Ítalo, 10, após ser baleado por policiais militares em SP, em junho de 2016 - Reprodução
Menino Ítalo, 10, após ser baleado por policiais militares em SP, em junho de 2016 Imagem: Reprodução

Marcelo Oliveira e Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

24/08/2020 20h52

Em junho de 2016, um menino de 10 anos morreu após ter furtado um carro e ter sido baleado por policiais militares no Morumbi, zona sul de São Paulo. Um imbróglio judicial continua desde então. Enquanto o MP (Ministério Público) acusa cinco PMs de terem assassinado o garoto e mudado a cena do crime, a Justiça de São Paulo rejeitou a denúncia, em setembro de 2018, afirmando que os policiais eram "homens valorosos".

Decisão do desembargador Osni Pereira, no entanto, reformou a decisão judicial de dois anos atrás e determinou que a Justiça receba a denúncia da Promotoria.

O menino Ítalo Ferreira de Jesus Siqueira e um amigo de 11 anos furtaram um Daihatsu preto e fugiram. Durante a perseguição, o menino perdeu o controle da direção, batendo em um ônibus e em um caminhão.

"No mérito, sustenta que, nesta fase processual, não cabe ao magistrado realizar juízo de valor acerca das provas até então produzidas, tampouco rejeitar a denúncia com fundamento na legítima defesa, pois a referida excludente de ilicitude é questão controversa a ser oportunamente dirimida pelo Conselho de Sentença", escreveu o desembargador.

A PM informou, à época, que, quando os policiais se aproximaram do carro, foram recebidos a tiros. Na acusação, à época, o procurador —então promotor— Fernando Cesar Bolque afirmou que nenhuma das crianças atirou e que houve mudança na cena do crime para incriminá-las. Ítalo foi atingido por um tiro na cabeça e morreu no local. O amigo dele, depois de duas horas acompanhado de policiais, foi levado à delegacia.

A juíza Debora Faitarone, do 1º Tribunal do Júri de São Paulo, rejeitou a denúncia em setembro de 2018, sustentando que a PM é composta por "homens valorosos, como os policiais aqui denunciados" e que o acolhimento da denúncia seria "virar as costas" a eles.

"O recebimento da denúncia, além de uma grande injustiça, seria uma negação do estado aos direitos humanos dos policiais, os quais, mataram sim, mas em combate, em situação de legítima defesa própria, de terceiros e também no estrito cumprimento do dever legal", escreveu a juíza.

Um mês depois da sentença, a juíza foi flagrada pelo UOL no batalhão da Rota, no aniversário do batalhão, posando e fazendo sinal de arma com as mãos com o então candidato a senador Major Olimpio (PSL).

15.out.2018 - Juíza Debora Faitarone posa para foto com Major Olimpio em cerimônia de aniversário da Rota - Luís Adorno/UOL - Luís Adorno/UOL
15.out.2018 - Juíza Debora Faitarone posa para foto com Major Olimpio em cerimônia de aniversário da Rota
Imagem: Luís Adorno/UOL

Os PMs Otávio de Marqui e Israel Renan Ribeiro da Silva haviam sido acusados pelo MP, em 29 de agosto, por homicídio e por fraude processual. Já os policiais Daniel Guedes Rodrigues, Lincoln Alves e Adriano Alves Bento foram acusados de fraude processual, sob suspeita de terem colaborado para alterar a cena do crime.

"O laudo de reprodução constata que, pela altura da criança e pela altura do veículo, que se tratava de um veículo de grande porte, em que aberta a janela, a única possibilidade seria de ele [Ítalo] efetuar disparos para o alto. No local do crime, contata-se que aconteceu apenas um disparo e que foi de fora para dentro. Ou seja, não houve disparo de arma de fogo de dentro para fora", aponta a denúncia do MP.

O advogado Ariel de Castro Alves, conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), que acompanha o caso desde o início, diz que "os indícios de que o menino Ítalo foi executado sempre foram evidentes". "Os laudos do Instituto de Criminalística e o próprio inquérito policial concluíram que só ocorreram disparos de fora para dentro do veículo. Só os PMs realizaram disparos. A testemunha, outra criança na época, disse que Ítalo não tinha arma e que não realizou nenhum disparo contra os policiais."

Nenhum dos policiais foi preso. A defesa deles diz que a denúncia era "vazia" e que seus clientes eram inocentes. "O promotor que ofereceu a denúncia não é o que acompanhou as investigações no DHPP nem o que acompanhou a reprodução simulada, a promotora que acompanhou me confidenciou que ela arquivaria o feito", afirmou.

"Acertou a cabeça do garoto porque, se fosse um adulto, teria acertado o ombro, pelo tórax ser maior. E foi uma surpresa enorme ter uma criança ali de 10 anos no volante do veículo. Não houve fraude processual porque o garoto foi socorrido e o Samu teve que mexer no local, não teve jeito", complementou a defesa dos PMs.

O secretário da Segurança Pública da época, Mágino Alves Barbosa Filho, sempre afirmou que a ação dos policiais foi em legítima defesa. "Não me apresentaram qualquer evidência que a ocorrência não tenha sido absolutamente legítima por parte da polícia", declarou em 2016.

"Esse menino não levou tiro na rua, levou tiro na troca de tiros. Ninguém tem dúvida de que ele estava dirigindo o carro. Criança manusear uma arma impropriamente, a gente está cansado de ver casos e casos", acrescentou Barbosa Filho em entrevista à Folha.