Da "nova cúpula" do PCC, dois foram mortos pela Rota em dois meses em SP
Das 21 pessoas apontadas pelo MP (Ministério Público) como integrantes da "nova cúpula" do PCC (Primeiro Comando da Capital), duas foram mortas por policiais da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) no segundo semestre. O primeiro, em julho deste ano, em Itaquaquecetuba. O segundo, em 14 de setembro, na Praia Grande.
O coronel Rogério Silva, comandante do policiamento do batalhão de Choque, afirmou à imprensa, na data da segunda morte, que toda ação que termina em morte segue protocolos da PM para esclarecer o que houve: "Serão adotadas todas as providências. Vamos refazer todos os passos".
Para a imprensa, promotores de Justiça afirmaram, de maneira equivocada, que José Carlos de Oliveira, 49, morreu de morte natural "no decorrer do último ano" e que Cláudio José Pinheiro de Freitas, 36, atirou contra PMs da Rota na ação de 14 de setembro, no apartamento onde estava, que revidaram. Nenhum policial se feriu. Procurado, o MP disse que a informação prestada na coletiva foi um equívoco.
De acordo com o MP, Freitas era do setor de "raio-x", responsável por levantar informações para a facção. Já Oliveira integrava, ainda segundo o MP, o setor financeiro da "nova cúpula" do grupo.
Por meio de nota, o MP afirmou que "J.C.O. faleceu durante realização de um assalto em confronto com policiais, fato que se deu em meio às investigações da Operação Sharks em julho próximo passado. C.J.P.F. faleceu durante a deflagração da Operação Sharks no dia 14 de setembro ao confrontar, armado, o cumprimento de mandados em sua residência".
Freitas era apontado como líder do PCC na Baixada Santista e como um dos homens de confiança de Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, que está na penitenciária federal de Brasília. Segundo a PM, ele não autorizou a entrada em seu apartamento por volta das 6h do dia 14.
Os policiais arrombaram a porta e, segundo a PM, foram recebidos a tiros. Os PMs atiraram seis vezes contra Freitas, que morreu no local. Lá, foi encontrado, segundo a polícia, oito explosivos, uma pistola alemã, colete à prova de balas e dinheiro (não contabilizado) em espécie, em reais, dólares e guaranis (moeda do Paraguai).
Três tiros no tórax
Oliveira, que teria morrido de "causa naturais", segundo a Promotoria, na realidade, foi morto com três tiros no tórax por policiais militares da Rota, no dia 5 de julho deste ano em Itaquaquecetuba. Na mesma ação também foi morto com dois tiros um homem identificado como Plínio Cardoso Keim.
Os policiais militares da Rota afirmaram, à época, que Oliveira e Keim portavam, cada um, uma pistola automática, reagiram à prisão e foram mortos após troca de tiros. Os PMs não se feriram.
Procurada sobre a diferença nas versões, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) enviou o histórico do BO (Boletim de Ocorrência), que mostra que Oliveira foi morto a tiros, não de causa natural.
Os policiais disseram que faziam patrulhamento e foram acionados pelo comando da Rota para apurar denúncia anônima informando que Oliveira estaria transportando grande quantidade de drogas em dois veículos na região de Itaquaquecetuba.
Segundo os PMs, várias equipes de Rota foram para o local e avistaram um Fiat Strada ocupado por Oliveira e Keim no cruzamento da avenida Ítalo Adami com rodovia João Afonso de Souza Castellano.
Ainda de acordo com a versão policial, Oliveira e Keim desceram do carro atirando e morreram no revide. No desdobramento da ocorrência, um casal foi preso pelas equipes de Rota, acusado de esconder 223 kg de cocaína no fundo falso da parede de uma casa em Itaquaquecetuba.
Oliveira foi preso em 2018 por PMs da Rota
Oliveira já tinha sido preso em 10 de maio de 2018 em São Miguel Paulista, zona leste da capital, também por policiais militares da Rota. Os PMs apresentaram versão semelhante à de 5 de julho deste ano sobre a ocorrência.
Disseram que foram informados pelo comando da Rota para abordar um veículo ocupado por um homem envolvido com o tráfico de drogas. O carro foi encontrado às 14h10 na rua João José Rodrigues.
No veículo estavam Oliveira e sua mulher. Segundo os PMs da Rota, com Oliveira foram encontrados 15 tijolos de maconha e R$ 187 mil em 10 cheques. Os policiais disseram que Oliveira lhes ofereceu R$ 10 mil para não ser preso em sua casa em Suzano, para onde foi levado posteriormente.
A ocorrência só foi registrada no 63º DP (Distrito Policial), na Vila Jacuí, às 23h51, nove horas após Oliveira ter sido abordado. Na delegacia, o preso contou uma versão diferente da apresentada pelos policiais militares.
Oliveira disse que estava almoçando com a mulher em Guarulhos quando o celular tocou. Segundo ele, seu filho ligou informando que estava em poder de PMs da Rota e que, se Oliveira não levasse uma arma para os policiais, ele (o filho) seria morto.
O casal foi até o local indicado e, lá, Oliveira e a mulher acabaram sendo presos pelos policiais militares. A ocorrência também teve novos desdobramentos e outro rapaz foi detido sob a acusação de tráfico de drogas.
Oliveira afirmou ter sido torturado e foi absolvido
Ao ser ouvido em audiência judicial, Oliveira manteve a mesma versão dada na delegacia. Em juízo ele acrescentou mais detalhes: Disse que foi torturado com choques elétricos aplicados por meio de uma maquininha redonda que os PMs da Rota portavam.
Disse ainda que os PMs colocaram um saco branco em sua cabeça. O depoimento de Oliveira à Justiça foi gravado em vídeo, ao qual a reportagem do UOL teve acesso. Os PMs envolvidos negam a prática de tortura.
No dia 5 de dezembro de 2018, o juiz Eduardo Giorgetti Peres, da 18ª Vara Criminal da Capital, absolveu Oliveira, a mulher e o outro rapaz presos pelos PMs da Rota e acusados por tráfico de drogas, associação à organização criminosa, corrupção ativa e receptação.
Na sentença, o juiz escreveu que "não restou demonstrado que os réus praticaram os delitos que lhe foram imputados na denúncia". De acordo com o magistrado, "o conjunto probatório dos autos mostram-se colidentes, entremeados por depoimentos contraditórios e provas frágeis".
O juiz sentenciou, também, que "há grande dúvida sobre a autoria dos acusados, mormente considerando as circunstâncias da prisão e do procedimento adotado pelos policiais militares". O juiz acrescentou que "houve indícios de excesso no procedimento, que comprometem a imparcialidade dos depoimentos dos policiais".
Um inquérito policial foi aberto em Itaquaquecetuba, em 10 de julho deste ano, para apurar a conduta dos PMs da Rota acusados de matar Oliveira em suposta troca de tiros. A promotoria de Justiça da comarca local foi designada pelo Ministério Público para acompanhar as investigações.
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