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MPF denuncia executivos sob acusação de cartel em obras do metrô de SP e RJ

Projetos afetados pelo cartel incluem as linhas 2, 4 e 5 (foto) do metrô de SP e as linhas 3 e 4 no RJ - Cleber Souza/UOL
Projetos afetados pelo cartel incluem as linhas 2, 4 e 5 (foto) do metrô de SP e as linhas 3 e 4 no RJ Imagem: Cleber Souza/UOL

Do UOL, em São Paulo

29/09/2020 17h36Atualizada em 29/09/2020 20h07

A força-tarefa Lava Jato denunciou hoje cinco ex-executivos de grandes empreiteiras sob acusação de formar um cartel entre 1998 e 2014 para fraudar licitações em obras de transporte público em oito capitais do país, entre elas São Paulo e Rio de Janeiro. Se a denúncia do MPF (Ministério Público Federal) for aceita pela Justiça, eles se tornam réus e devem responder por crimes contra a ordem econômica.

Os cinco acusados são: Benedicto Barbosa da Silva Júnior (ex-diretor de infraestrutura da Odebrecht), Márcio Magalhães Duarte Pinto (ex-diretor de finanças da Andrade Gutierrez), Othon Zanoide de Moraes Filho (ex-diretor de desenvolvimento comercial da Queiroz Galvão), Saulo Thadeu Catão Vasconcelos e Dalton dos Santos Avancini (ex-diretores de transportes da Camargo Corrêa).

O alvo preferencial do grupo, segundo o MPF, eram as obras para o transporte sobre trilhos, Os projetos licitatórios afetados pelo suposto cartel incluem as linhas 2, 4 e 5 do metrô de São Paulo, as linhas 3 e 4 no Rio de Janeiro e a construção ou expansão de ramais em Fortaleza, Salvador, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba e Porto Alegre.

Ainda de acordo com a denúncia, licitações para o monotrilho na região metropolitana da capital paulista também fizeram parte do negociação, entre eles o chamado Expresso Tiradentes, ligando bairros da zona leste da cidade, e a Linha-17 Ouro, na zona sul.

"Com o cartel, as propostas dos licitantes eram feitas com preço acima da média, gerando prejuízo de bilhões aos cofres públicos", disse a procuradora regional da República, Janice Ascari, coordenadora da Lava Jato em São Paulo.

"Tatu Tênis Clube"

O suposto cartel teria se tornado mais consolidado em 2004. Até então, segundo o MPF, alguns contratos já haviam sido repartidos entre a Camargo Corrêa, a Andrade Gutierrez e a Odebrecht, com previsão de novas divisões em licitações futuras. Mas foi a partir do aumento da concorrência no mercado que o grupo recebeu a adesão da OAS e da Queiroz Galvão, estabelecendo, ainda conforme os investigadores, as diretrizes que guiariam a atuação ilícita nos anos seguintes.

Nascia, então, conforme a denúncia, o Tatu Tênis Clube (TTC), entidade fictícia que os executivos teriam criado para, em linguagem codificada, colocar no papel os termos do acordo entre as cinco grandes empresas.

Segundo a Lava Jato, o estatuto da agremiação definia as regras para a divisão das licitações, a compensação das diferenças de valores entre os contratos e os mecanismos de monitoramento do pacto, entre outros ajustes. O batismo do falso clube ligava-se, de acordo com o MPF, ao "tatuzão", como ficou popularmente conhecido o equipamento utilizado na perfuração subterrânea para obras do metrô.

No documento, diz a denúncia, a identificação dos executivos fazia menção a nomes de tenistas famosos. Márcio Magalhães Pinto, por exemplo, era "Guga", Benedicto da Silva Júnior aparecia como "Beker" (em alusão ao alemão Boris Becker), e "Koock" era o pseudônimo adotado por Dalton Avancini, uma referência ao brasileiro Thomaz Koch.

No pacto, sempre por meio de metáforas esportivas, os representantes das empreiteiras assumiam, de acordo com os promotores, que o cartel se formava para garantir a concentração de um mercado cada vez mais restrito devido à baixa quantidade de obras disponíveis na época.

"Os jogadores do TTC acordam que irão trabalhar unidos para que os próximos campeonatos, nos âmbitos nacional, estadual e municipal, sejam organizados e dirigidos pelo TTC e que toda a renda dos jogos sejam revertidos (sic) para o TTC", anotaram os signatários, segundo a Lava Jato.

A força-tarefa afirma que, segundo o documento, a conciliação dos interesses das empresas exigia uma atuação alinhada e unificada entre elas, procurando "manter um mesmo estilo tático, independente do jogador titular" e assegurando a cada uma "a mesma participação nas rendas conquistadas".

Segundo o MPF, o conluio das construtoras manteve-se operante nos anos seguintes. O acordo teria se tornado ainda mais sólido com a criação de um escritório coletivo em São Paulo, onde funcionários das empreiteiras reuniam-se secretamente para discutir projetos e tratar de licitações em andamento.

Derrocada a partir de 2010

O esquema só teria perdido força a partir de 2010, com a abertura do mercado para a concorrência internacional e a competição com outras companhias qualificadas. Embora apenas as cinco integrantes do suposto cartel se mantivessem habilitadas para o uso do "tatuzão", dificuldades para o fechamento de novos acordos entre elas encerraram as atividades do Tatu Tênis Clube no final de 2014, segundo a denúncia do MPF.

O ex-presidente do conselho de administração da Camargo Corrêa, João Ricardo Auler, de acordo com a Lava Jato, também integrou as negociações do suposto cartel. Mas ele aderiu aos termos do acordo de leniência que a empresa firmou com o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e, por isso, não foi denunciado pelo MPF.

Outro lado

A Odebrecht afirmou que colabora com as autoridades desde 2016 e que fez acordos no Brasil com o MPF, AGU (Advocacia-Geral da União), CGU (Controladoria-Geral da União) e Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), e no exterior com o Departamento de Justiça dos EUA, Banco Mundial e BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento).

"A Odebrecht tem hoje controles internos rigorosos que reforçam o seu compromisso com a ética, a integridade e a transparência", disse, por meio de nota.

A Andrade Gutierrez também informou que apoia "toda iniciativa de combate à corrupção e que visa a esclarecer fatos ocorridos no passado".

"Vale ressaltar que os temas da denúncia estão contemplados nos acordos firmados com as autoridades competentes e que a empresa segue colaborando com as investigações em curso dentro dos acordos de leniência firmados", disse a empresa.

A Camargo Corrêa disse que firmou acordo de leniência com o Ministério Público Federal e com o Cade, comprometendo-se a colaborar continuamente com as autoridades. Segundo a empresa, Dalton dos Santos Avancini e Saulo Thadeu Catão Vasconcelos não fazem parte de seu quadro atual de executivos.

A reportagem procurou o Metrô de SP e do Rio, que disse que a responsabilidade pelo caso é da Secretaria de Estado dos Transportes —que ainda não se manifestou.

A Queiroz Galvão disse que não vai se pronunciar. A manifestação dos acusados pela Lava Jato será publicada assim que for recebida.