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"Virou faroeste": Milícia explorava shoppings e matou por R$ 5, diz polícia

6.out.2020 - Polícia Civil faz ação contra milícia que explora o comércio em Madureira, na zona norte do Rio. Segundo as investigações, grupo é composto por paramilitares, traficantes e funcionários públicos - Divulgação/Polícia Civil
6.out.2020 - Polícia Civil faz ação contra milícia que explora o comércio em Madureira, na zona norte do Rio. Segundo as investigações, grupo é composto por paramilitares, traficantes e funcionários públicos Imagem: Divulgação/Polícia Civil

Herculano Barreto Filho

Do UOL, no Rio

06/10/2020 16h04

Uma milícia investigada por explorar comerciantes em Madureira, na zona norte do Rio, expandiu a sua forma de atuação após firmar parceria com traficantes e até com funcionários públicos da prefeitura, segundo a Polícia Civil. O grupo foi alvo de uma operação hoje, com o cumprimento de 46 mandados de busca e apreensão na sede da Prefeitura do Rio, na Guarda Municipal e na Câmara de Vereadores.

De acordo com a investigação, a quadrilha passou a explorar shoppings centers, supermercados e estacionamentos. O grupo é suspeito de envolvimento em nove homicídios nos últimos dois anos. Entre eles, o assassinato de um homem que teria se recusado a pagar uma taxa de apenas R$ 5.

De acordo com a polícia, o grupo movimentava até R$ 90 mil por semana com cobranças irregulares —R$ 15 mil era o valor semanal arrecadado com o gerente de um shopping center de Madureira.

Eles [milicianos] começaram extorquindo dinheiro de ambulantes. Quando se juntaram ao tráfico, passaram a explorar shopping center, supermercado, fábrica, estacionamento... E não existia parâmetro para matar. Uma vítima foi morta porque não pagou R$ 5. Virou um grande faroeste

Maurício Demétrio, delegado responsável pela investigação

A investigação —desdobramento da Operação Esculhambação, de abril de 2019— identificou a ação de um grupo suspeito de ameaçar, coagir e extorquir dinheiro das vítimas. De acordo com a Polícia Civil, o grupo obrigava os comerciantes a pagar taxas semanais de até R$ 250 para o estoque de produtos nos locais determinados pela organização criminosa.

De acordo com o delegado, os milicianos mataram um comerciante só porque ele deixou de pagar uma taxa de apenas R$ 5 para armazenar um engradado de cerveja —a identidade da vítima não foi revelada.

Além desse caso, a Polícia Civil investiga outros homicídios —como o assassinato de uma testemunha e de outras duas pessoas por causa de disputa por controle territorial. Essas investigações estão sob sigilo. Uma das vítimas, inclusive, chegou a denunciar o guarda municipal que atuou no gabinete da vereadora Vera Lins à Polícia Civil e ao MP-RJ (Ministério Público do Rio). Doze dias depois, acabou sendo assassinada.

O grupo é investigado pela DRCPIM (Delegacia de Crimes contra a Propriedade Imaterial) pelos crimes de formação de quadrilha, organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. A Operação Brutus é referência ao rival do personagem de desenhos Popeye, apelido de Genivaldo Pereira das Neves, apontado pela polícia como o chefe da quadrilha.

Agentes apreenderam até fardas militares

Na ação, que contou com o apoio de 150 policiais civis, foram cumpridos mandados de busca e apreensão na Secretaria Municipal de Fazenda (localizada na sede da Prefeitura do Rio), na sede da Guarda Municipal de Madureira e no gabinete da vereadora Vera Lins —um guarda municipal, lotado no gabinete dela até maio de 2019, está entre os alvos da investigação. A vereadora não é investigada.

Duas pessoas foram presas —uma delas em cumprimento de mandado de prisão e outra em flagrante, por porte de munição. A identidade dos suspeitos não foi revelada. Os agentes apreenderam 12 toneladas de material sem procedência fiscal. Eles encontraram duas armas, carregadores de pistola, fuzil e munições, coletes balísticos e até fardas para militares.

Região loteada e impunidade

Os comércios de Madureira eram "loteados" pelos envolvidos no esquema, que contava com a colaboração de servidores públicos, apontam as investigações.

Os agentes ainda flagraram a presença de integrantes do grupo em meio ao público no lançamento do programa Segurança Presente, em janeiro. O evento contou com a presença do então governador Wilson Witzel (PSC), afastado do cargo desde agosto por suspeita de participação em um esquema de corrupção. De acordo com as investigações, os milicianos cumprimentavam agentes, demonstrando intimidade.

"Os nossos policiais ouviram um deles falar: 'Agora é tudo nosso'. Não existia nenhum tipo de controle urbano naquela área", diz o delegado Maurício Demétrio.

O que dizem os citados

Por meio de nota, a defesa de Vera Lins negou relação da vereadora com a operação, informação confirmada pela Polícia Civil, e disse que o servidor suspeito "foi devolvido ao seu órgão de origem há quase dois anos". "Trata-se de mais uma tentativa de interferência no processo eleitoral", disse o advogado James Walker Junior.

Também em nota, a Guarda Municipal informou que está à disposição da Polícia Civil para colaborar com as investigações e abrirá sindicância para apurar a denúncia envolvendo os servidores. Já a Secretaria Municipal de Fazenda diz desaprovar desvio de conduta de funcionários e que está à disposição polícia para colaborar com a investigação.