Deputados não recebem resposta sobre fiscalização de segurança do Carrefour
A família de João Alberto Silveira Freitas, morto por seguranças de uma unidade do supermercado Carrefour em Porto Alegre às vésperas do Dia da Consciência Negra, levou uma comitiva de parlamentares à capital gaúcha para averiguar o andamento do caso e se reunir com o governador Eduardo Leite (PSDB) no Palácio Piratini, sede do Executivo estadual.
A principal crítica é à fiscalização realizada pela Brigada Militar sobre a atuação da empresa Vector. É ela a responsável pela segurança do Carrefour e teve dois funcionários presos pelo assassinato do cliente.
A pergunta a respeito de como funcionava a fiscalização da Vector antes do ocorrido ficou sem resposta segundo relataram à reportagem as deputadas Maria do Rosário (PT) e Fernanda Melchionna (PSOL), que integram a comissão externa da Câmara criada na semana passada para acompanhar o caso. A reunião aconteceu a portas fechadas.
"Nós não recebemos ainda as informações se essa empresa tinha fiscalização", disse Rosário. Segundo a parlamentar, empresas privadas de segurança armada, para ter autorização, são fiscalizadas pela PF (Polícia Federal). Se não usam armas, seriam, em tese, fiscalizadas pelo estado.
O que nos preocupa é quem fiscaliza afinal as empresas privadas de segurança? Isso não está claro: qual o tipo de fiscalização que existe? Identificamos aqui um grave problema, que não é do Rio Grande do Sul, mas de todo o país."
Maria do Rosário (PT)
A comitiva identificou que a Vector operava sob dois CNPJs: um era usado para o contrato com o Carrefour; o outro, para contratar funcionários.
O primeiro era registrado como empresa armada de segurança e fiscalizado pela PF, enquanto o outro era não armado. Para a deputada federal Fernanda Melchionna, a existência de dois registros pode ter sido utilizado para baratear custos, evitar fiscalização da PF e, consequentemente, oferecer um treinamento mais enxuto.
A parlamentar critica a estratégia usada pela empresa, que permite pagar salários mais baixos aos vigilantes. "É óbvio que tem uma dupla função na medida em que tu contrata com uma responsabilidade menor, mas ao mesmo tempo coloca para fazer toda a vigilância na loja. Terceiro, não é fiscalizado pela Polícia Federal", elenca.
É muito grave. É quase uma quarterização do serviço de segurança, o que não pode tirar o véu do caso de fundo de tudo isso, que é o racismo estrutural."
Fernanda Melchionna (PSOL)
Para Maria do Rosário, os dois tipos de fiscalização deveriam ficar a cargo da PF e, por isso, estuda fazer um projeto de lei neste sentido. Além disso, a comissão externa pretende tornar a injúria racial um crime inafiançável e imprescritível. Hoje, apenas o racismo tem essa característica, o que torna a injúria penal mais branda.
Nós vimos nessa morte causa racial. A vontade era de destruir. Nada, absolutamente nada, justifica o que aconteceu ali. Que não seja em vão, que isso nunca mais aconteça. Cabe a nós, como legisladores, também colocar na pauta todos os projetos que lá estão em relação a essa questão do racismo."
Benedita da Silva (PT)
Em nota, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) do Rio Grande do Sul informou que a fiscalização da Vector foi tratada pelo comandante-geral da Brigada Militar, coronel Rodrigo Mohr Picon.
"(O comandante) explicou, entre outros pontos, que, conforme a legislação, a fiscalização da empresa Vector é realizada pela Polícia Federal, cabendo a BM atuação complementar, por meio do Grupamento de Supervisão de Vigilância e Guardas (GSVG).Essa atuação complementar consiste em atestar os uniformes, em razão da similaridade com fardamentos da própria BM e das Forças Armadas", disse o órgão em nota.
A reportagem tentou contato com a Vector, mas não conseguiu localizar nenhum representante para comentar a declaração dos parlamentares. Se enviado, seu posicionamento será incluído nesta reportagem.
Quero orar, pedir a Deus para que nunca outra pessoa passe por isso."
João Batista, pai de João Alberto
Motivação racial
De manhã, os deputados se encontraram o pai de João Alberto, o pastor João Batista, 65, e a viúva Milena Borges Alves, 43, em um hotel no centro da cidade. Durante a conversa com os parlamentares, a viúva de Beto não conteve as lágrimas. "Não estou muito bem", disse Milena ao UOL.
Estou bem perdida. Nunca pensei que numa ida no mercado iria acontecer esse tipo de coisa. A gente quer justiça. Ele era uma casa cheia, um cara com saúde. Era alegre, estava sempre cantando, dançando, ajudava em casa."
Milena Borges Alves, viúva de João Alberto
O casal foi ao supermercado para comprar ingredientes para um pudim de pão e adquirir verduras. Gastaram cerca de R$ 60. Ela conta que ficaram poucos minutos no Carrefour e que Beto saiu na frente em direção ao estacionamento. Ao chegar ao local, Milena se deparou com o marido se debatendo no chão. Ele chegou a pedir ajuda, mas a mulher foi impedida de chegar perto dele.
Imagens de câmeras de segurança mostram imobilização com uso da perna flexionada do segurança sobre as costas de Beto. Nos Estados Unidos, George Floyd foi mantido por 7 minutos e 46 segundos com o joelho do policial sobre o pescoço dele, segundo os promotores de Minnesota.
"É uma dor muito horrível, não desejo isso para ninguém. A gente tem aquela ideia de que nunca iria acontecer. Infelizmente aconteceu. É uma dor horrível, mas aguardo justiça. O que eu posso fazer é aguardar por justiça. E é assim que estou me sentido", salientou o pastor, que neste momento abaixou a cabeça e conteve as lágrimas, sendo consolado pelo deputado Damião Feliciano (PDT-PB), coordenador da comissão.
A viúva chegou a ser questionada na roda de conversa se entendia a morte do marido como um ato de racismo. "Acredito que alguma coisa falaram para ele (no caminho das caixas até o estacionamento), ter chamado de negro, algo assim, para ele ter reagido daquela forma (ter dado o soco no segurança)", entende Milena.
Ninguém ataca com aquela fúria por uma razão que não seja muito grave. Não posso acreditar que a fúria com a qual atacaram meu filho não seja racismo. A vida do meu filho não vai voltar mais, mas eu aguardo por justiça."
João Batista, pai de João Alberto
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