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ANÁLISE

Análise: Oportunistas usam morte de PM para flertar com caos bolsonarista

Luís Adorno

Do UOL, em São Paulo

29/03/2021 15h07

A morte do PM da Bahia Wesley Soares Góes, 27, que foi baleado por policiais militares após atirar a esmo e contra colegas de farda em Salvador, ontem, está sendo utilizada por "movimentos políticos oportunistas" que, se não querem enfraquecer a democracia no Brasil, querem, no mínimo, criar um caos para manter a base unida às vésperas da eleição de 2022, que vai eleger presidente, governadores e deputados pelo país.

A análise acima foi feita por Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, e Rafael Alcadipani, professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), em entrevistas ao UOL. Os dois são pesquisadores renomados na área de segurança pública brasileira, que estudam ações policiais e políticas e que têm respeito intelectual de membros das polícias -à direita ou à esquerda- e da sociedade civil.

O soldado Góes foi até o Farol da Barra gritou palavras de ordem, se pintou de verde e amarelo e, após 3h30 de negociação com policiais militares, fez uma contagem regressiva e disparou tiros de fuzil contra guarnições do Bope (Batalhão de Operações Especiais). Ele foi baleado, socorrido, mas não resistiu ao ferimento. Ele trabalhava em Itacaré, no Sul da Bahia, há quatro anos.

A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), presidente da CCJ (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) da Câmara, afirmou nas redes sociais que o soldado morreu porque "se recusou a prender trabalhadores" e incitou a corporação contra o governador Rui Costa (PT) ao afirmar que ele não seguiu as "ordens ilegais do governador. Com reações negativas do posicionamento, ela recuou e disse preferir "aguardar os rumos da investigação".

Além disso, a Aspra (Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares) lamentou a morte do soldado Góes e convocou uma manifestação em protesto pelo ocorrido. Vídeos nas redes sociais repercutiram entre ontem e hoje de policiais baianos em apoio ao ato do soldado Góes.

Mecanismos da democracia minados

Renato Sergio de Lima, presidente do Forum Brasileiro de Segurança Pública - DANILO RAMOS/FBSP - DANILO RAMOS/FBSP
Renato Sergio de Lima, presidente do Forum Brasileiro de Segurança Pública
Imagem: DANILO RAMOS/FBSP

De acordo com Renato Sérgio de Lima, tem ocorrido uma instrumentalização das polícias brasileiras pelo bolsonarismo. O caso da Bahia, em particular é sintomático, porque envolve a tropa de elite do presidente da República, com seus filhos e deputados fiéis.

"Estão tentando ampliar fissuras que têm sido provocadas ao longo dos anos para ver se a represa rompe. Fazendo com que as ameaças do Bolsonaro de caos em relação à pandemia aconteçam", diz Lima.

Para o pesquisador, essa tropa bolsonarista tem instigado as policias a ter papel de mais autonomia e repressão contra governadores que estariam emitindo ordens de fechar comércios, contra a expansão da pandemia do novo coronavírus.

"Significa que vários dos mecanismos que mantêm a integridade da democracia estão sendo minados pelo bolsonarismo raiz, que tem agido forte para que as polícias se rebelem contra as regras do jogo democrático."

É perigoso, é um movimento orquestrado para ampliar fissuras. Pode refletir na democracia e precisa de um alerta nos comandos das polícias.
Renato Sérgio de Lima

"O ambiente de disputa está imposto. As polícias, desde sempre, são as instituições que precisam de um olhar com muito cuidado, para que não haja ruptura na democracia. É preciso controle sobre a polícia e não deixar que ela seja instrumentalizada pelo bolsonarismo radical", acrescentou o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Flerte com o caos

Rafael Alcadipani, professor da FGV - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rafael Alcadipani, professor da FGV
Imagem: Arquivo pessoal

Já para Rafael Alcadipani, a reação de radicais militares incentivando motins e quebra de hierarquia ao comando da polícia e ao governo estadual da Bahia não deve atingir a democracia do país. Deve, apenas, fortalecer a base política desses membros para as eleições do ano que vem.

"Se tivessem força o suficiente para dar golpe militar e acabar com a democracia, eles já tinham feito isso antes. Essa ação de motim é feita para dar uma atiçada na base deles. Percebem a situação, atiçam e depois acalma. Para mim, isso é literalmente bater palma para louco dançar", afirmou o professor.

Ainda de acordo com ele, os policiais que querem criar motins, na verdade, querem "flertar com o caos": "Isso tudo para manter a base do governo unida. A base dos loucos unida. Eles vivem disso. O presidente vive disso, os filhos vivem disso. Fizeram carreira a vida toda a partir disso. Eles não têm preocupação nenhuma com a saúde mental do policial", acrescentou.

É uma coisa dos radicais radicalizando. PMs do Brasil, se fizerem motins, vão, na verdade, se matricular e ser sócios da matança da covid-19. Não é isso o que eles querem.
Rafael Alcadipani