Fachin pede 'basta' a violência policial contra negros no Rio
Relator da ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 635 —que questiona a política de segurança pública no Rio de Janeiro—, o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), destacou hoje o caráter racista da violência policial no estado e cobrou um "basta" à situação.
Em fala dura ao fim da primeira manhã de audiências públicas sobre o tema, Fachin agradeceu aos familiares de vítimas de violência policial pelos relatos e destacou que o STF não pode se omitir sobre o problema.
"Somos corresponsáveis por alterações legais e institucionais que devem ser levadas a efeito para que o Estado esteja à altura do que se exige por respeito às vidas humanas. A complexidade não nos deve impedir de reconhecer algo bastante evidente: não é possível tolerar que vidas inocentes, sobretudo vidas negras, continuem a ser impunemente perdidas. Que esta audiência também sirva para dizer basta", afirmou.
Fachin ouve hoje e, também na próxima segunda (19), dezenas de moradores de favelas, representantes de entidades de defesa dos direitos humanos, especialistas e autoridades sobre estratégias para redução da letalidade policial no Rio. Em junho, o ministro concedeu uma liminar restringindo a realização de operações apenas a circunstâncias excepcionais. A medida foi referendada pelo plenário virtual do STF.
Gilmar compara violência policial a 'patologia'
Presidente da 2ª Turma do STF, o ministro Gilmar Mendes também acompanha a audiência e defendeu que a ADPF suscite uma discussão sobre um novo marco para a segurança pública no país. Ele tratou a violência policial como uma "patologia".
"Que nós consigamos trazer elementos para os autos que contribuam para essa mudança que todos almejam. Todos nós sabemos que neste caso há uma patologia e que nós precisamos de um instrumento de cura. Eu espero que a audiência pública seja iluminada e que ajude o Tribunal —e vossa excelência [Fachin] como relator— a iluminar os caminhos para uma nova política pública. Que está focada pela gravidade na situação do Rio de Janeiro, mas, Oxalá, possa vir a constituir uma base para uma lei de segurança pública", defendeu.
Moradores denunciam mortes
Ao longo da audiência, moradores de favelas no Grande Rio e representantes de entidades do movimento negro denunciaram casos de mortes cometidas pela polícia no Rio —sobretudo envolvendo crianças e adolescentes.
Representante do Movimento Negro Unificado, Marcelo Dias listou diversos casos de repercussão, como a chacina de Costa Barros, onde cinco jovens foram mortos com 111 tiros pela PM, e as mortes da menina Ághata Félix, 8, e do menino João Pedro Mattos, 14.
Todos crianças e jovens negros e negras. Todos negros e negras. As balas perdidas só encontram os corpos das nossas crianças e adolescentes
Marcelo Dias, do Movimento Negro Unificado
Eliene Maria Vieira, do grupo Mães de Manguinhos, relatou o cotidiano de medo vivido por ela e outras famílias durante operações na comunidade da zona norte da capital.
Eu não quero pedir paz, porque toda vez que é oferecida paz pra minha favela, ela vem acompanhada de muito sangue e muitas famílias destroçadas
Eliene Maria Vieira, do grupo Mães de Manguinhos
O primeiro a falar na audiência foi José Luiz Faria da Silva. Morador da Favela de Acari, também na zona norte do Rio, ele aguarda há 25 anos por justiça pela morte do filho Maycon, de 2 anos —o menino foi baleado na cabeça durante uma operação. O caso foi relatado como um auto de resistência, com a versão de que a criança teria entrado em confronto com os agentes.
Como os senhores se sentiriam com um filho de 2 anos em um auto de resistência? Como os senhores viveriam com essa penumbra de que seu filho foi morto trocando tiros aos 2 anos de idade, quando estava brincando?
José Luiz Faria da Silva, pai de vítima de violência na Favela de Acari
Ouvidor geral da Defensoria Pública do Rio, Guilherme Pimentel relatou situações de abuso policial no dia a dia das favelas do Rio. Um dos casos ocorreu recentemente na Favela da Ficap, na Pavuna, zona norte da capital. Policiais rasgaram faixas com trechos da Constituição colocadas por moradores nas entradas na comunidade e teriam interrogado pessoas para encontrar os responsáveis pelo protesto. Pimentel exibiu uma das faixas durante a audiência, no qual um dos incisos do artigo 5º da Constituição, onde é definido que "a casa é asilo inviolável do indivíduo".
"A gente chegou a tal ponto que divulgar a constituição nas favelas virou crime, é tratado como crime", ironizou.
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