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Locais de roubos do 'novo cangaço' em SP facilitam fuga para o Paraguai

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

23/09/2021 04h00

A localização das últimas cidades atacadas pela tática conhecida como "novo cangaço" indica uma possível rota de fuga ao Paraguai, um dos principais redutos do PCC (Primeiro Comando da Capital) fora do Brasil. No país vizinho, há maior facilidade para fazer a lavagem do dinheiro roubado com menos risco em troca de armas e drogas, indicam especialistas.

O UOL teve acesso com exclusividade a uma lista de dez ataques a centrais de distribuição de dinheiro do Banco do Brasil em um intervalo de cinco anos. Mas a localização desses crimes só passou a facilitar um deslocamento para o Paraguai a partir de maio de 2020 no assalto em Ourinhos, quando os roubos também passaram a ocorrer no Estado de São Paulo.

Segundo especialistas, as fugas podem ocorrer por estradas, cruzando a fronteira com o Paraguai pelo Mato Grosso do Sul ou até mesmo com o auxílio de aeronaves a serviço do crime organizado.

Centrais do interior atacadas - Arte/ UOL - Arte/ UOL
Imagem: Arte/ UOL

De lá para cá, ocorreram outros três roubos aos moldes da tática também conhecida como domínio de cidades, quando criminosos atacam municípios pequenos com fuzis, explosivos e veículos blindados.

O último caso ocorreu na madrugada de 30 de agosto em Araçatuba (SP), com alvo avaliado em cerca de R$ 90 milhões, conforme revelou reportagem exclusiva do UOL.

Os alvos dos últimos roubos foram as sedes do Seret (Setor de Retaguarda e Tesouraria) do Banco do Brasil, centrais de distribuição de cédulas para outras agências bancárias que executam a função do Banco Central em cidades do interior.

Essas unidades funcionam como uma espécie de reserva de cédulas para outras agências, armazenada com base em depósitos compulsórios —como é chamada a alíquota obrigatória de 17% que não pode ser movimentada para garantir a segurança nas operações com notas.

Araçatuba: mais violência e tecnologia a serviço do crime

O levantamento dos ataques às sedes das centrais de distribuição de dinheiro no país faz parte de um estudo elaborado pelo Batalhão de Operações Especiais da PM-SP (Polícia Militar de São Paulo), que analisa esses casos para aprimorar as estratégias de ações nas ocorrências.

"A gente estuda essas ocorrências para criar protocolos de atuação, como condutas de patrulha, atendimento pré-hospitalar, gerenciamento de crises, cursos com explosivos, entre outros", explica o tenente-coronel Valmor Saraiva Racorti, comandante da unidade.

Escalada da violência

Os dados das ocorrências indicam uma escalada da violência nas ações, em cidades com até 150 mil pessoas —exceção a Araçatuba (SP), com 200 mil; e Uberaba (MG), com 333 mil moradores.

No ataque a Passos (MG), em abril de 2018, os criminosos passaram a usar armas com calibre .50. Em Ourinhos (SP), em maio de 2020, esses ataques passaram a contar com o monitoramento com o auxílio de drones.

Com mortes, reféns e uso de explosivos, o assalto a agências bancárias em Araçatuba é apontado como o mais violento do tipo nos últimos dois anos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número de detonadores foi o maior da história do país, segundo levantamento inédito feito pela Associação Mato-Grossense para o Fomento e Desenvolvimento da Segurança a pedido da reportagem.

QG do PCC na fronteira

Reportagem com base em investigação da Polícia Federal publicada por Josmar Jozino, colunista do UOL, indica que o PCC montou um quartel-general com 174 criminosos em Ponta Porã (MS) e Pedro Juan Cabellero, entre Brasil e Paraguai.

O colunista revelou, ainda, que seis brasileiros e oito paraguaios do PCC presos no fim de março deste ano no Paraguai planejavam cometer roubos milionários a transportadoras de valores e instituições financeiras na fronteira.

Especialistas veem relação entre os alvos das últimas ações e uma rota de fuga a um território de domínio da organização criminosa acusada de financiar esses crimes.

Esses criminosos precisam fazer a lavagem de dinheiro para o PCC fora do país. Aí entra essa lógica do Paraguai, onde trocam o produto do roubo por drogas ou armas"
Douglas Prehl, vice-presidente de uma empresa especializada em segurança

Coordenadora científica do Laboratório de Estudos da Violência da UFC (Universidade Federal do Ceará) e especialista na ação de grupos que usam a tática conhecida como "novo cangaço", Jania Perla de Aquino cita o poder político da facção criminosa no país vizinho como um indício de uma rota de fuga após os assaltos.

"São ações específicas em centrais de armazenamento de dinheiro com um grau de articulação e planejamento. E o PCC já vem atuando há anos no Paraguai, que fica perto dos locais onde ocorreram esses crimes. Vamos ver o que as investigações vão mostrar", analisa.

Desafio é garantir o sucesso da fuga, diz desembargadora

Ivana David, desembargadora do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e especialista em investigações sobre o crime organizado, diz que a facção se beneficia da estrutura das próprias cidades dominadas para planejar os roubos.

"São regiões com boas estradas idealizadas com o olhar administrativo, mas que também facilitam a fuga desses criminosos", observa.

Segundo ela, a localização de cidades do interior paulista, como Ourinhos, Botucatu e Araçatuba, facilitam o deslocamento rápido para a fronteira com o Paraguai.

"São vários pontos de entrada e saída do país sem controle, e com facilidade para sair da área de jurisdição dos crimes cometidos. Essa situação geopolítica facilita a atuação do PCC e faz parte do planejamento de uma rota de fuga. O desafio não é só praticar o roubo. É garantir o sucesso da fuga com o dinheiro", analisa.