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Após ataques, prefeita de Ubatuba nega ação de tubarões: 'ninguém viu'

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

22/11/2021 22h21

Após dois casos confirmados de incidentes com tubarões em Ubatuba, litoral de São Paulo, a prefeita da cidade, Flávia Pascoal (PL), publicou um vídeo nas redes sociais dizendo que os ferimentos não teriam sido provocados por esses animais. Ela alega que as notícias não seriam condizentes com a verdade e convocou os turistas ao município litorâneo. A declaração foi rebatida hoje pelo Instituto Argonauta, que emitiu a conclusão científica, com auxílio de parecer de especialista da Unesp (Universidade Estadual Paulista), de que as feridas seriam compatíveis com mordidas de tubarões — após três décadas sem registros do gênero na região.

"A prefeita está mal informada, não está se baseando nos fatos", afirmou ao UOL o presidente do Instituto Argonauta e diretor do Aquário de Ubatuba, o oceanógrafo Hugo Gallo Neto. "O resultado das análises levou em consideração diversos pontos que foram estudados, como formato dos ferimentos, presença de marcas de dentes, além dos relatos das vítimas e testemunhas. Não há dúvida: ambos os incidentes envolvem a presença de tubarões".

Ambos os casos ocorreram em meio a feriados prolongados e praias lotadas. O primeiro, envolvendo um turista francês na praia do Lamberto, ocorreu durante o feriado de Finados. O segundo, que ocorreu na praia Grande durante o feriado de 15 de novembro, envolveu uma idosa de 79 anos. Ambos tiveram uma das pernas feridas, onde os animais deixaram marcas características.

Os dois casos foram analisados pelo especialista em tubarões Otto Bismarck Gadig, professor doutor da Unesp. Ele confirmou que o turista francês foi atacado por um tubarão de pequeno ou médio porte, provavelmente um filhote. Já a idosa teria sido atacada por um animal de médio ou grande porte, possivelmente um tubarão-tigre ou cabeça chata — espécies já conhecidas por incidentes com banhistas em praias do litoral pernambucano.

Tubarões fakes?

No vídeo publicado nas redes sociais, a prefeita de Ubatuba aparece no alto de um morro, com a paisagem de uma das praias da cidade ao fundo. Ela nega os ataques, responsabiliza a imprensa por divulgar o que ela considera inverdades e conclama os internautas a visitarem Ubatuba para aproveitar as atrações turísticas.

"A situação que foi divulgada na mídia, da situação de tubarão em Ubatuba, não condiz com a verdade'', diz. "Conversamos com a filha da senhora que caiu na praia e, quando levantou, estava com a perna cortada. Ela disse que a mãe estava com a água para baixo do joelho e quando veio uma onda, ela caiu. Assim que levantou, estava com a perna cortada. Tinha muitas pessoas na praia e ninguém viu peixe algum. Temos que colocar isso às claras para não prejudicar a nossa cidade e a vinda dos turistas para Ubatuba".

Depois, afirmando que estava "buscando a verdade", a prefeita faz referência ao ataque contra o turista francês, no feriado de Finados. "Com relação à praia do Lamberto, o turista que foi lá cortado, não condiz com mordida de tubarão. Que fique claro, para as pessoas não ficarem apavoradas. Venha a Ubatuba, desfrute do nosso turismo. Venha a Ubatuba desfrutar das suas belezas", conclui em sua fala, no vídeo.

Evidências são conhecidas

O professor Gadig chegou a emitir, a pedido do Instituto Argonauta, um laudo confirmando o ataque contra a idosa, com detalhes da análise, incluindo o desenho de um esquema que explica como a mordedura de um tubarão se encaixa no ferimento deixado em sua perna.

"Como se não bastasse a dificuldade em obter informações junto às autoridades sobre as ocorrências, com imagens detalhadas, ainda somos surpreendidos com essa declaração", disse Gallo Neto. "Claro que a probabilidade de ocorrerem novos ataques é muito baixa, pois morre mais gente com acidentes envolvendo cocos que caem de plantas do que em ataques de tubarão. Mas dizer que eles não ocorreram, nesses dois locais, seria impossível".

O oceanógrafo afirmou que entregou os laudos à prefeita ainda na semana passada, assim que os recebeu do especialista da Unesp. "Ela tem as informações, sabe dos detalhes. Não há como contestar um estudo baseado em ciência. Para confirmar uma mordedura de tubarão, são estudados diversos aspectos, e é necessário seguir uma metodologia científica para isso".

Discurso inalterado

"Não mudo uma vírgula do nosso alerta. É preciso que as pessoas fiquem atentas, que aprendam que o mar possui uma rica vida marinha e que é preciso tomar certas precauções antes de entrar na água", afirma Gallo Neto. "É fato que nossas autoridades precisam estar mais bem preparadas para cuidar dos registros de relatos, levantamento de evidências e, principalmente, prestar atendimento de emergência em casos envolvendo tubarões".

Nas duas situações ocorridas na cidade, os especialistas disseram que os turistas tiveram sorte em não sofrer uma mordida completa dos tubarões. No caso da idosa, especificamente, se o animal tivesse fechado a boca ao morder sua perna, ela simplesmente poderia ter perdido toda a musculatura da panturrilha.

O UOL procurou a prefeita de Ubatuba, Flávia Pascoal, mas até a publicação desta reportagem, não houve resposta à solicitação. O espaço segue aberto e será atualizado caso haja manifestação.