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Boate Kiss: em 1º dia de julgamento, réu passa mal e tribunal forma júri

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

01/12/2021 22h36

O primeiro dia de julgamento dos acusados de serem os responsáveis pelo incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), teve a formação do júri, um réu gritando não ser assassino e depoimentos emocionados de sobreviventes.

Seis homens e uma mulher foram escolhidos para compor o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, que vai durar cerca de 15 dias e ocorre mais de oito anos após a tragédia, que deixou 242 mortos e 636 feridos. Os jurados ficarão isolados em um hotel durante todo esse período.

Quatro réus, que ficaram presos por quatro meses e estão atualmente em liberdade, serão julgados por 242 homicídios simples com dolo eventual (quando, mesmo sem intenção, se assume o risco de matar) e por 636 tentativas de assassinato.

São os dois sócios da boate —Elissandro Callegaro Spohr, conhecido por Kiko, e Mauro Londero Hoffmann— e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira: o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor musical Luciano Augusto Bonilha Leão.

Bonilha estava bastante nervoso ao chegar ao Fórum de Porto Alegre e passou mal, tendo de ser encaminhado para a enfermaria. Na entrada, gritou que não era assassino.

Primeira testemunha

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Ex-funcionária da Kiss Kátia Giane Pacheco foi a primeira a depor em júri em Porto Alegre
Imagem: Reprodução/TJ-RS

A ex-funcionária Kátia Giane Pacheco foi a primeira a depor hoje. Ela estava na cozinha do local no momento em que o fogo começou.

Ela trabalhava havia cerca de seis meses na Kiss, sem carteira assinada, e explicou que ingressou com um processo para tentar conseguir as verbas rescisórias. Até agora sem sucesso.

Teve 40% do corpo queimado e ficou 46 dias internada —parte deles em coma.

"Senti um jato de espuma entrando na minha garganta e eu comecei a gritar lá dentro que eu não queria morrer", diz, sobre o incêndio.

"Tentaram me retirar, mas, como tinha gente em cima de mim, não conseguiram e simplesmente me largaram. E iam tentar pegar outra pessoa, só que nisso eu agarrei nas pernas dessa pessoa para conseguir sair dali."

Anjo da guarda

Kellen Giovana Leite Ferreira, 28, relatou momentos de desespero e angústia para sair da casa noturna na noite de 27 de janeiro de 2013.

A jovem sofreu queimaduras em 18% do corpo e teve um dos pés amputados. "A gente vive em uma sociedade do corpo perfeito e comecei processo de aceitação [do corpo] no ano passado para cá. Eu tinha medo de sair na rua e as pessoas me julgarem por isso, pelo corpo perfeito."

Eu só vi quando cruzou uma multidão na minha frente da pista lá debaixo e aí eu me atinei em correr, porque eu achei que fosse briga. Quando eu corri, eu caí na frente do bar de madeira, o principal, e eu voltei porque eu queria buscar minhas amigas. Um homem todo de branco, acho que foi Deus na hora, meu anjo da guarda, parou do meu lado direito e disse: 'Tu não vai', e me puxou em direção à porta."
Kellen Giovana Leite Ferreira, sobrevivente de incêndio na boate Kiss

Ela teve de fazer inúmeras cirurgias e fazer enxerto de pele após as queimaduras.

Ação de réu contra promotora

A defesa de Elissandro Spohr ingressou hoje com uma representação contra a promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari. A representante do MP-RS (Ministério Público do Rio Grande do Sul) atua no Tribunal do Júri.

Segundo o advogado Jader Marques, que representa Kiko, entende que a promotoria fez uma "devassa na vida dos jurados", com uso "do aparato do Estado" ao fazer averiguações no sistema Consultas Integradas, no qual é possível verificar antecedentes criminais, entre outras informações pessoais.

A promotora classificou a medida como "factoide" e "teatro".

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Julgamento dos quatro réus da boate Kiss ocorre em Porto Alegre e deve durar 15 dias
Imagem: Hygino Vasconcellos/UOL

Como será o 2º dia

A previsão para amanhã é ouvir os sobreviventes Emanuel Almeida Pastl e Jéssica Montarão Rosado pela manhã; e Lucas Cauduro Peranzoni, Érico Paulus Garcia e Gustavo Cauduro Cadore à tarde.

Serão ouvidos no julgamento 14 sobreviventes, indicados pelo MP (Ministério Público) e pela defesa de Spohr.

Outras 19 testemunhas serão ouvidas: cinco indicadas pelo Ministério Público, cinco pela defesa de Spohr, cinco pelos advogados de Mauro Londero Hoffmann e outras quatro pela defesa de Marcelo de Jesus dos Santos. Apenas Bonilha não indicou testemunhas.