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Capitólio (MG): tragédia expõe falta de monitoramento, dizem especialistas

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

08/01/2022 19h11Atualizada em 09/01/2022 10h25

A tragédia que deixou ao menos oito pessoas mortas em Capitólio (MG) expõe a falta de monitoramento geológico em áreas turísticas, apontam especialistas ouvidos pelo UOL. Segundo eles, apesar de o país contar com um amplo conhecimento no setor, isso não se reflete na ponta, principalmente nos municípios, onde faltam recursos humanos capacitados para auxiliar na fiscalização.

"Infelizmente, no Brasil, só temos o hábito de dar atenção depois que alguma tragédia acontece. Atualmente, temos estudos geológicos ligados a grandes obras. Mas nas áreas turísticas tudo acaba acontecendo de forma improvisada. Havia a possibilidade de se prever o que ocorreu hoje em Capitólio", afirma o geólogo Tiago Antonelli, mestre pela USP e chefe da Divisão de Geologia Aplicada do SGB (Serviço Geológico Brasileiro).

Para Joana Paula Sánchez, professora de Geologia da UFG (Universidade Federal de Goiás), a região onde a rocha se soltou do paredão deveria ter sido interditada. Ela acredita que é necessário um esforço nacional para que haja uma maior consciência em relação ao risco de se frequentar áreas como a de Capitólio:

"Existe uma falta de conhecimento geral do que a profissão de geólogo pode gerar. O turismo muitas vezes não está interessado em interditar uma área de alta visitação e falta uma educação de base. As pessoas precisam entender que aquilo pode cair."

Joana participa de um movimento, do qual também fazem parte o Fórum Nacional de Cursos de Geologia, o Instituto de Pesquisas Tecnologicas de São Paulo, a USP, a própria UFG e a Febrageo (Federação Brasileira de Geólogos), que está iniciando a elaboração de um manual nacional de riscos, que possa orientar entes locais a agirem na prevenção.

Os especialistas foram unânimes em afirmar que as fortes chuvas que vêm atingindo a região devem ter tido papel decisivo na tragédia de hoje, o que demandaria ainda mais cuidado na realização de passeios de lanchas como as que foram atingidas.

"É uma região que deveria ter monitoramento, por ter grande concentração de turistas. Isso pode ser feito inclusive com inspeções visuais periódicas. Numa segunda etapa, mais dispendiosa, poderia se pensar num tratamento preventivo, com a instalação de tirantes. Na Itália, na região do Mediterrâneo, nas áreas turísticas, há o tratamento com telas e monitoramento constante", comenta Romildo Dias, presidente do núcleo regional de Minas Gerais da ABGE (Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental), mestre em Engenharia Geotécnica pela Universidade Federal de Ouro Preto.

Dias explica que o paredão que se desprendeu é formado por uma rocha chamada quartizito, muito resistente, mas que possui várias fissuras, conhecidas tecnicamente como fraturas. Principalmente no período de chuvas, a água vai se infiltrando nessas camadas, exerce pressão e cria instabilidade.

"Os vídeos que estão circulando nas redes sociais mostram de forma clara o que chamamos tecnicamente de ruptura por tombamento flexural. É algo comum de acontecer naquela região, que nem tomamos conhecimento quando não há perdas humanas ou materiais. O problema é que, como é uma área turistica com grande concentração de lanchas em espaços confinados, haveria a necessidade de monitoramento", completa.

Ingrid Ferreira Lima, doutora em Hidrologia e Gerenciamento de Ecossistemas da Tokyo University of Agriculture and Technology, diz que ainda é cedo para se precisar as causas da tragédia — o que só deve sair após um laudo que descreva com precisão o movimento da rocha —, mas acredita que o período de chuvas atípicas pode ter sido fator decisivo:

"O que a gente vê nas imagens é um processo erosivo clássico. Há fraturas horizontais que impõem um movimento que é como se fosse um castelo de cartas, como se fosse um dominó."

Para Ingrid, de forma geral, para evitar novas tragédias, é preciso investir em levar o conhecimento para a ponta, como já acontece com mais frequência nas áreas urbanas:

"Temos um rico conhecimento, universidades de excelência, mas a dificuldade é a ponta ter o acesso, os recursos humanos capazes de verificar os problemas."

Até agora, já foram confirmados oito mortos em Capitólio e estima-se que duas pessoas sigam desaparecidas, segundo informação do Corpo de Bombeiros.

Ainda de acordo com o Corpo de Bombeiros, duas das três lanchas atingidas pelo bloco afundaram. As autoridades estimam que de 70 a 100 pessoas estavam no local, agora isolado e fechado. A Marinha do Brasil informou que vai instaurar inquérito para "apurar causas, circunstâncias do acidente/fato ocorrido".