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Caso Moïse: Orla Rio viu irregularidade, mas renovou contrato de quiosque

Quiosque Biruta, durante manifestação no dia 5 de fevereiro - Fabiana Batista/UOL
Quiosque Biruta, durante manifestação no dia 5 de fevereiro Imagem: Fabiana Batista/UOL

Ruben Berta

Do UOL, no Rio

09/02/2022 04h00Atualizada em 09/02/2022 07h15

A concessionária Orla Rio, responsável por mais de 300 quiosques nas praias cariocas, renovou, em 2015, o contrato de um dos estabelecimentos onde trabalhou o congolês Moïse Kabagambe — brutalmente assassinado no dia 24 de janeiro —, apesar de já afirmar à época que o espaço vinha sendo explorado de forma irregular.

Em um documento enviado em abril daquele ano a um deputado estadual, a concessionária relatou que o quiosque Biruta apresentava problemas como "a péssima manipulação de alimentos e a cessão do espaço a uma terceira pessoa não autorizada e não capacitada para tanto". Ainda assim, um mês depois, renovou contrato com a mesma empresa que atuava no local, a Celso Carnaval ME.

Em nota, a concessionária afirmou que assinou um novo contrato à época "uma vez que o responsável já havia sanado todas as irregularidades então constatadas, além de se tratar de um operador que ocupava o local já há muitos anos".

Os documentos que tratam dos antigos problemas e da renovação do contrato foram inseridos pela própria Orla Rio num processo de reintegração de posse do Biruta, que tramita desde julho do ano passado na 1ª Vara Cível da Barra da Tijuca.

Conforme mostrou reportagem do UOL, o funcionário aposentado da Caixa Econômica Federal Celso Carnaval, dono da firma que vinha explorando o quiosque, afirmou que não pretende deixar o local apesar da intenção da Prefeitura do Rio de ceder a gestão à família de Moïse.

No processo judicial, Carnaval nem sequer foi citado. Enquanto não há decisão na Justiça em relação ao Biruta, a Orla Rio afirma que começará o processo de cessão pelo Tropicália — os dois estabelecimentos são conjugados. Está previsto também que o local se torne um memorial em homenagem às culturas africanas — e especificamente a congolesa.

Morto a pauladas após cobrar R$ 200 em diárias atrasadas no quiosque Tropicália, Moïse Kabagambe também havia trabalhado no Biruta. O Tropicália, segundo a Prefeitura do Rio, será cedido à família do congolês sem a necessidade de pagamento de aluguel até 2030.

Fezes e urina de ratos

No documento enviado em 2015 ao então deputado estadual Paulo Ramos — atualmente parlamentar federal pelo PDT —, a Orla Rio anexou uma série de fotos demonstrando problemas sanitários. Uma delas mostra uma bancada com o que seriam fezes e urina de ratos.

Documento de 2015 da Orla Rio relata irregularidades no quiosque Biruta - Reprodução - Reprodução
Documento de 2015 da Orla Rio relata irregularidades no quiosque Biruta
Imagem: Reprodução

A empresa também relatou problemas como descumprimento de obrigações trabalhistas e fiscais, além de atrasos no pagamento de aluguéis e taxas.

A concessionária disse no documento, porém, que renovaria o contrato com Celso Carnaval por ser "sensível a um pedido" do parlamentar.

Ramos afirmou que lutou em seu mandato pelos direitos pelos direitos dos permissionários:

"Eu defendi os quiosqueiros todos. O Celso Carnaval especificamente é meu amigo de infância, mas as minhas tratativas eram amplas. Sempre que a Orla Rio queria tirar alguém, eu intercedia. Eu defendo o trabalhador".

Carnaval não quis comentar as irregularidades relatadas pela concessionária.

A Orla Rio disse que a renovação do contrato em 2015 ocorreu "após reunião entre as partes". E afirmou que "em 2020 e 2021, foram verificadas irregularidades mais graves que as anteriores, principalmente pelo arrendamento irregular do quiosque a terceiros".

"Por isso, a Orla Rio optou pela rescisão contratual e reintegração de posse, a qual aguarda o julgamento desde julho de 2021", concluiu.

No documento de 2015, porém, a concessionária já relatava a cessão do quiosque a uma terceira pessoa.

Contrato encerrado em 2018

Em 2018, terminou o prazo do último contrato, mas o quiosque continuou em funcionamento. A Orla Rio disse ter enviado desde então oito notificações extrajudiciais para Celso Carnaval.

Na prática, quem vinha tocando a gestão do Biruta nos últimos tempos era Viviane de Mattos Faria, irmã do cabo da Polícia Militar Alauir de Mattos Faria. Dois dos três agressores de Moïse — que trabalhavam no Biruta — apontaram os irmãos como responsáveis pelo estabelecimento.

Celso Carnaval alegou que Viviane é uma amiga a quem quis ajudar num momento de dificuldades financeiras e disse que não sabia que ela tem um irmão policial.

Segundo Viviane, Aluir aparece pouco no estabelecimento e é ela quem cuida de tudo. Ela e o irmão não se manifestaram sobre a ocupação irregular apontada pela Orla Rio.

Na ação de reintegração de posse, de julho de 2021, a Orla Rio também relata a construção irregular de um deque de madeira e grama sintética para a colocação de mesas e cadeiras.

Há um auto de infração de 2020 da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, mas, até hoje, a obra não foi demolida.

Outros problemas apontados pela concessionária foram dívidas pendentes em aluguéis e encargos que ultrapassam os R$ 49 mil, falta de registro de funcionários e condições sanitárias precárias.

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