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SP: jovem negro algemado por PM a moto em movimento é condenado por tráfico

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

31/03/2022 11h48

O jovem negro flagrado em vídeo após ser algemado a uma moto da Polícia Militar em movimento, em novembro de 2021, foi condenado pela Justiça de São Paulo a uma pena em regime aberto de dois anos e dois meses por tráfico de drogas e por dirigir sem habilitação.

Após ser detido com 5 kg de maconha enquanto conduzia uma moto na avenida Professor Luiz Ignácio Anhaia Mello, zona leste da capital paulista, Jhonny Ítalo da Silva, 18, foi arrastado em via pública antes de ser levado à delegacia para registro do flagrante. Ele cumprirá a pena em liberdade, mas precisará se apresentar mensalmente à Justiça. Procurada, a defesa disse que não vai comentar a condenação.

Em decisão de 24 de março, o juiz José Paulo Camargo Magano, do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), não citou o episódio envolvendo o momento em que Jhonny foi arrastado em via pública.

E só fez referência ao cabo Jocelio Almeida de Sousa, flagrado em vídeo enquanto arrastava o jovem negro em uma moto, devido ao relato sobre a prisão, o mesmo apresentado pelo soldado Rogério Silva de Araújo, que também participou da ocorrência.

Ao avistar um bloqueio policial (...), o denunciado [Jhonny] deu meia volta com a motocicleta e empreendeu fuga em alta velocidade pela contramão da via pública. Diante do ocorrido, os policiais deram início a perseguição, momento em que conseguiram visualizar o denunciado dispensando a 'bag' que carregava, jogando-a ao solo"
Trecho da denúncia sobre a prisão de jovem arrastado por moto da PM

"Ocorre que, em um determinado momento, o denunciado colidiu com sua motocicleta (...). Após o acidente, tentou empreender fuga a pé, todavia, veio a ser detido", completou, sem citar a forma como ele foi levado à delegacia.

Os policiais envolvidos na prisão não citaram em depoimento no 56º Distrito Policial que o jovem negro havia sido algemado junto a uma moto após ter sido detido. Em audiência de custódia que converteu a prisão em flagrante em preventiva na época, a juíza Julia de Almeida Alvim disse não ter visto ilegalidade na prisão.

'Licença para torturar'

Procurado pelo UOL, o advogado Ariel de Castro Alves, que preside o Grupo Tortura Nunca Mais, criticou a forma como o caso vem sendo conduzido pela Justiça, principalmente em relação à conduta do policial militar que algemou o jovem junto à moto.

A tortura e o abuso de autoridade por parte do PM que efetuou a prisão viciou todo o processo. Na prática, o único punido está sendo o rapaz. O policial provavelmente ficará impune, como costuma acontecer"
Ariel de Castro Alves, presidente do Grupo Tortura Nunca Mais

O advogado também vê no processo o que entende ser um caso de "racismo institucionalizado".

"Esse processo favorece a sensação de que policiais possuem licença para torturar e cometer abusos contra jovens pobres. São acobertados pela instituição militar, Ministério Público e Poder Judiciário. Temos também nesse processo a expressão do racismo institucionalizado", completou.

O caso também está sendo acompanhado pela Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

cabo, jocelio - Reprodução - Reprodução
Cabo Jocelio Almeida de Sousa, 34 anos, identificado como o policial que aparece nas imagens conduzindo a moto com um suspeito algemado
Imagem: Reprodução

O cabo Jocelio, que chegou a ser afastado das ruas para investigação da Corregedoria da PM-SP, pode responder pelos crimes de tortura, racismo e abuso de autoridade. Já o soldado Rogério Silva de Araújo, que também participou da ocorrência, pode responder por prevaricação.

Eles não foram localizados pela reportagem para que pudessem se manifestar sobre o caso. O UOL também aguarda um posicionamento da Polícia Militar de São Paulo sobre os desdobramentos do caso. A reportagem não localizou a defesa do jovem arrastado por moto em via pública após ser detido com drogas.

Na gravação, é possível ver o homem correndo atrás da moto. Pessoas por trás da câmera dão risada e uma delas debocha: "Olha, algemou e está andando igual a um escravo. Vai roubar mais agora?", questiona.

'Lembra escravidão', disse ouvidor

"A imagem lembra do período da escravidão", disse à época Elizeu Soares Lopes, ouvidor das polícias de SP.

Em prisão anterior em maio de 2021, a Polícia Civil citou o tráfico como "única forma de subsistência" de Jhonny, que havia acabado de completar 18 anos.