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'Desumano': Mãe de Kathlen vê descaso de promotor em solucionar morte

Kathlen Romeu estava grávida quando foi morta em junho de 2021 aos 24 anos - Arquivo Pessoal
Kathlen Romeu estava grávida quando foi morta em junho de 2021 aos 24 anos Imagem: Arquivo Pessoal

Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

08/04/2022 04h00

Há dez meses, Jackeline Lopes convive com a saudade da filha. Mesmo após investigações concluírem, em dezembro, que Kathlen Romeu, 24, foi morta por um tiro que partiu de um PM e que policiais fraudaram a cena do crime, o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) ainda não denunciou ninguém à Justiça pelo homicídio.

Grávida de três meses, a designer de interiores foi atingida em 8 de junho por um tiro de fuzil no tórax durante ação policial no Complexo do Lins, na zona norte carioca. Jackeline critica o promotor responsável pela investigação, Alexandre Murilo Graça, pela postura durante um encontro entre os dois e pela demora na solução do caso: "Ele foi frio, seco e, arrisco dizer: desumano".

Em nota enviada via MP-RJ, Graça afirmou que tem "compromisso em elucidar o caso" e que compreende "o sentimento de dor de uma mãe" (leia a nota completa abaixo).

O promotor é responsável por casos midiáticos, como a Chacina do Fallet —em que 13 jovens morreram— e a investigação de suposta rachadinha no gabinete do vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos). Em janeiro, Graça esteve no aniversário da advogada do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), irmão de Carlos e também filho do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Questionado na ocasião se via problema em comparecer a um evento de uma pessoa relacionada à família Bolsonaro, o promotor disse ao jornal O Globo que "não há, no Código de Processo Penal, impedimento legal em relação à situação".

'Não sou psicólogo'

Poucos dias após a morte de Kathlen, o promotor se disse "disponível para dúvidas" e pronto para a denúncia, dependendo apenas da reconstituição. Mas, três meses depois, o teor da conversa foi outro, segundo relata Jackeline.

"Vi o promotor agindo de forma totalmente diferente, parecia outro. Ele perguntou como poderia me ajudar e, quando eu comecei a falar, chorei", diz.

Chorei porque eu sou uma lágrima ambulante, uma tragédia ambulante. E a resposta dele foi: 'Não adianta ficar chorando, porque eu não sou psicólogo.'"
Jackeline Lopes, mãe de Kathlen Romeu

Ela diz ter se sentido "pequena, diminuía" ante a reação do promotor.

"Eu falei que não estava buscando alguém para enxugar lágrimas, mas, sim, que estava em busca de justiça para a memória da minha filha."

Em dado momento, conta a mãe, Graça citou o exemplo de uma empregada doméstica que "se sacrificou" pelos filhos e mudou-se da Rocinha para Japeri, município da Baixada Fluminense a cerca de 90 km da favela da zona sul do Rio.

"Eu também me sacrifiquei. Minha filha foi criada, era casada, estava grávida, estudou e trabalhou. Se eu não tivesse me sacrificado, ela não tinha sido criada da melhor forma. Para mim, ele quis dizer que, para não perder um filho, a gente tem que sair do morro", conta.

Apesar da postura ríspida, Jackeline disse que Graça explicou como funcionavam as investigações. Ele aguardava a conclusão da Delegacia de Homicídios da Capital até outubro, com expectativa de o processo chegar ao Tribunal de Justiça no início deste ano.

Pais de Kathlen Romeu durante missa de sétimo dia no Santuário do Cristo Redentor (RJ) - Rai Aquino/UOL - Rai Aquino/UOL
Pais de Kathlen Romeu durante missa de sétimo dia no Santuário do Cristo Redentor (RJ)
Imagem: Rai Aquino/UOL

Investigação sobre homicídio se arrasta no MP

Em 13 de dezembro, a Polícia Civil concluiu que o tiro que matou Kathlen partiu da arma de um policial militar —o agente não foi identificado.

No mesmo mês, outra parte das investigações que cabe ao MP-RJ foi concluída. A 2ª Promotoria de Justiça junto à Auditoria da Justiça Militar denunciou cinco policiais militares por fraude processual e um deles por omissão. De acordo com a denúncia, antes da chegada da perícia, quatro dos agentes retiraram o material que se encontrava na cena do crime e acrescentaram outros materiais intactos.

Na próxima segunda-feira (11), acontece a primeira audiência em relação a essa denúncia.

A 4ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal, de Alexandre Murilo Graça, é responsável por investigar o homicídio, enquanto a Justiça Militar investiga eventuais fraudes.

Jackeline diz que Graça levantou a possibilidade de arquivar o caso.

"Eu questionei como seria possível arquivar, se ele mesmo havia dito que já sabia que eram os policiais os responsáveis. E ele me disse que a Justiça nem sempre é justa, e que eu não poderia viver em função disso [da condenação dos responsáveis]", conta a mãe de Kathlen.

Enquanto se emociona ao lembrar de tudo que a filha viveu e tanto mais ela poderia viver, Jackeline repete, várias vezes, que só quer honrar a memória de Kathlen. "Ele estava preocupado em não ser injusto com os policiais, mas e comigo? E com minha filha?."

Ela diz que a lentidão nas investigações a motivou a expor a postura do promotor.

"Não contei antes porque pensei que o que estava ruim poderia piorar. Mas eu não vou me calar, não vão silenciar esse caso. Eu estou há dez meses perdendo, o que mais tenho medo a perder? Eu tinha medo de o caso ser prejudicado, mas ele não está fazendo nada, e eu não estou mentindo", dispara.

Veja a nota completa do MP-RJ:

"O promotor Alexandre Murilo Graça, titular da 4ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada do Núcleo Rio de Janeiro, afirma compreender o sentimento de dor de uma mãe que perdeu sua filha durante uma operação policial. Reafirma seu compromisso em elucidar o caso e esclarece que, para que a denúncia seja oferecida, é necessária a colheita de todas as provas.

Neste sentido, pontua, ainda, que a apresentação de uma inicial acusatória mal instruída, não completa, traz como consequência prejuízos não somente para as partes, mas também para toda a sociedade, em sua busca por Justiça."

Ato na porta do MP-RJ

Hoje, às 9h, familiares e amigos de Kathlen se reúnem na porta do MP-RJ em um ato por justiça.

Eles afirmam que nunca tiveram acesso integral ao processo, receberam informações ou foram consultados sobre o andamento.

Rodrigo Mondego, procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ e advogado da família de Kathlen, diz que não há justificativa para a demora.

"Temos tudo para esse caso ser concluído: reprodução [simulada], vídeo que mostra a fraude processual, laudo da reprodução simulada que diz de onde partiram os tiros. Houve uma comunhão de ações em que policiais atiraram e devem responder por isso."