Jacarezinho: MP é acionado para investigar destruição de memorial a mortos
A deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ) protocolou no fim da tarde de hoje (12) uma representação solicitando que o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) investigue a demolição de um monumento em homenagem aos 28 mortos na Operação Exceptis, em maio de 2021. O memorial foi destruído pela Polícia Civil nesta quarta-feira (11).
A representação foi articulada pela Faferj (Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro). O monumento trazia placas com os nomes dos 28 mortos —inclusive do Policial Civil André Frias, baleado por traficantes no início da incursão.
A homenagem foi construída para marcar um ano da Operação Exceptis, realizada em 6 de maio de 2021. Na representação, a parlamentar afirma que houve denúncias de "uso abusivo e desproporcional da força" e pede que o MP "designe um membro deste Ministério Público para o acompanhamento do inquérito policial eventualmente instaurado, de modo a garantir tanto uma apuração célere e eficiente, quanto a responsabilização dos agentes públicos pelos fatos aqui descritos".
Polícia Civil fala em "apologia ao tráfico"
Em nota, a Polícia Civil justificou a decisão de derrubar o monumento: "A Polícia Civil, por meio da 25ª DP (Engenho Novo) e da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais), retirou, na tarde desta quarta-feira, o memorial ilegal construído em homenagem aos 27 traficantes mortos em confronto com a Polícia Civil durante operação na comunidade do Jacarezinho, ocorrida em 6 de maio de 2021. Durante a diligência também foi realizada perícia no local e no material apreendido formalmente".
A polícia alega que os 27 mortos na operação tinham "passagem pela polícia" e "envolvimento comprovado com atividades criminosas" e que a construção não tinha autorização da prefeitura.
Além disso, diz o texto, o memorial tinha uma menção ao policial civil André Leonardo de Mello Frias, assassinado pelos criminosos, que não foi autorizada pela esposa e dos familiares do agente.
Contudo, os fatos desmentem a versão da corporação de que todos os mortos seriam traficantes trocando tiros com os policiais. O MP-RJ já denunciou três policiais civis por três homicídios que ocorreram em circunstâncias onde não havia confronto. Além disso, as investigações dos promotores também provaram que uma das vítimas — o morador de rua Carlos Ivan Avelino, 32 anos— possuía uma deficiência nos braços que o impediria de usar armas de fogo.
Direito à memória
Na petição, Renata Souza ainda afirma que a ação da Polícia Civil desrespeitou a separação dos poderes —já que caberia à Justiça determinar a retirada da construção— e tira das famílias o direito à memória de seus mortos.
"Por oportuno, salienta-se que embora alguns mortos na operação na comunidade do Jacarezinho teriam antecedentes criminais, este motivo, por óbvio, não justifica uma possível execução, como também não cabe a polícia aplicar "a pena de morte" e/ou negar o direito à memória aos familiares das vítimas, por mero julgamento de valor ou empregar arbitrariamente suas próprias razões, substituindo assim o Poder Judiciário".
Diretor da Faferj, David Gomes —um dos articuladores da representação— afirma que a ação da Polícia Civil é ilegal.
"A gente tem o entendimento que a Polícia Civil não é ostensiva e não poderia fazer esse tipo de ação, ainda mais sem uma decisão judicial que a provoque", diz ele, que responsabiliza também o governador Cláudio Castro (PL). "O governador é o chefe das polícias e tem uma responsabilidade. Para nós da Faferj, o governador é o principal responsável".
Câmara pode legalizar monumento
A Faferj, o Instituto de Defesa da População Negra e o LabJaca articulam a reconstrução do monumento, dessa vez com autorização da Câmara dos Vereadores. Após uma reunião na manhã de hoje, as vereadoras Thais Ferreira e Monica Benício, ambas do PSOL, vão apresentar um projeto de lei autorizando a reconstrução da homenagem das vítimas da operação no Jacarezinho. Uma audiência pública também será realizada no Jacarezinho por meio da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente, presidida por Thais.
Na visão de Thais Ferreira, a destruição do monumento por um caveirão "fala muito como nosso estado não está comprometido com a preservação da memória, com a dignidade humana e não tem respeito pelo luto das famílias".
David Gomes, da Faferj, destaca a falta de ações para os jovens no Jacarezinho: "A operação que resultou na chacina foi justificada como uma ação para impedir o aliciamento de crianças e jovens para o tráfico. Temos o entendimento de que, um ano depois de uma chacina com quase 30 pessoas assassinadas, não há uma política pública para crianças e adolescentes no Jacarezinho".
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