Sobrevivente do tribunal do PCC: 'poderia morrer por uma resposta errada'
O sotaque de quem nasceu em outro estado por pouco não "decretou a morte" de um homem levado ao tribunal do crime do PCC (Primeiro Comando da Capital) em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo.
Desconfiados de que ele pudesse ser integrante de alguma facção rival, criminosos armados com fuzis o retiraram de um baile funk e o levaram para uma casa na parte alta da favela, onde foi interrogado e mantido em cativeiro por quase cinco horas. O episódio, envolvendo um trabalhador sem qualquer vínculo com o crime, ocorreu há cerca de um mês.
Palco de 'julgamentos' do 'tribunal do crime'. Com cerca de 100 mil habitantes, Paraisópolis é uma das favelas mais populosas do país e apontada como o palco dos principais "julgamentos" do "tribunal do crime" do PCC. É lá que a facção criminosa decide quem morre e quem tem a vida poupada pelo crime organizado.
Mesmo local onde teria sido morta mulher que negou beijo a traficante. Segundo a polícia, foi para onde foi levada a mulher que teria sido assassinada após negar beijo a um traficante. Quando foi capturada pela primeira vez no dia em que se desentendeu com o criminoso, ela disse já ter sido levada por integrantes do PCC, que a acusaram de integrar o CV (Comando Vermelho), facção criminosa que atua no Rio de Janeiro. Seis suspeitos de envolvimento no crime foram presos.
Foi ao ler essa história que o homem submetido ao "tribunal do crime" do PCC reviveu tudo o que havia passado ali. "Quando eu li 'Paraisópolis', bateu um frio na minha espinha. Não quero passar por isso de novo."
Homem detalha momentos de terror
O homem, que optou pelo anonimato e pediu para não ter a sua origem revelada, detalhou os momentos de terror ao ficar na mira de armas e de questionamentos sobre o local onde morava. Ele estava em um baile funk na favela quando foi capturado por um homem armado com fuzil, que desconfiou dele simplesmente ao ouvir o seu sotaque.
"Fui sendo levado por becos e vielas, onde era entregue para diferentes grupos. Uns faziam terror psicológico. Outros pediam para que eu ficasse calmo, dizendo que 'era do proceder'. Diziam que eu seria liberado 'se tivesse tudo certo' e, 'se tivesse algo errado', era melhor eu falar logo para 'facilitar o trabalho.' Até então, não sabia o que era certo ou errado para eles", lembrou.
Quando a sua origem era revelada, os membros da facção erguiam as suas armas. "Naquele momento, pensei: 'é assim que eu vou morrer.' A minha vida estava nas mãos de outras pessoas."
O 'interrogatório'. Ao chegar no local onde foi mantido em cativeiro, passou a ser interrogado por membros da "disciplina", como são chamados os criminosos responsáveis pelo "tribunal do crime". Ali, havia um cão da raça pitbull. Naquele momento, relatou, deixou de ter contato visual com a rua.
Os criminosos então passaram a vasculhar o celular dele, em busca de alguma pista que pudesse indicar qualquer tipo de envolvimento com alguma facção rival. Foi quando começaram a questioná-lo.
Tive que contar toda a história da minha vida. Aí, começaram a perguntar se eu morava perto da favela, se comprava drogas de outra facção. Uns estavam mais calmos, e me questionavam como se fosse uma entrevista de emprego. Outros estavam com sangue nos olhos. Senti que eu poderia morrer ali mesmo se desse a resposta errada"
"Eram perguntas difíceis de responder. Perguntaram se eu tinha parente no morro. Eu menti e disse que não. Se falasse que 'sim', a situação ficaria ainda mais complicada, porque eles poderiam querer criar alguma ligação com o crime organizado. A preocupação deles era se eu tinha ligação com o crime ou com a polícia", complementou.
'Ligações de vídeo para mostrar o meu rosto'. O homem levado pelo "tribunal do crime" disse que os criminosos faziam chamadas de vídeo para mostrar o rosto dele para outros integrantes da facção, que estavam em outras localidades.
Segundo ele, era possível ouvir a resolução de outros desentendimentos no ponto de venda de drogas e até entre os próprios moradores, com a participação do PCC. "Tinha discussão entre família, briga de vizinho e outros conflitos sociais."
'Por mim, tá liberado'. Já eram 8h quando um outro integrante da facção chegou ao local. "Aí, ele disse: 'você não é de movimento e estava aqui só para curtir o baile. Por mim, tá liberado.' Não fui agredido em nenhum momento. Mas era o fim de um terror psicológico de pessoas armadas que ameaçavam me matar."
E, no fim, um último recado: "Eles falaram: 'isso nunca mais vai acontecer com você. Se um dia, você cair novamente em São Paulo, é só falar que passou [pelo tribunal do crime] e tá aprovado."
Assista ao primeiro episódio do documentário PCC - Primeiro Cartel da Capital:
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