Por que Paraisópolis concentra decisões do 'tribunal do crime' do PCC
As principais decisões do chamado "tribunal do crime" do PCC (Primeiro Comando da Capital) se concentram na favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, de acordo com processos criminais analisados pelo UOL. Com cerca de 100 mil habitantes, a comunidade é apontada como uma das mais populosas do país.
Segundo a Polícia Civil, a mulher que disse ter negado beijo a um traficante em um bar em Itaim Paulista, na zona leste, foi "condenada à morte" dentro da favela há quatro semanas. Após ser sequestrada e mantida em um cativeiro no dia do episódio, ela foi resgatada por policiais e relatou o caso em depoimento. Mas foi localizada novamente dez dias depois por criminosos.
Condições favoráveis. Especializado em investigações do crime organizado, Márcio Christino, procurador de Justiça de São Paulo, diz que há condições favoráveis para ações promovidas pelo "tribunal do crime" na favela de Paraisópolis, devido à densidade populacional da região.
"É muito mais difícil para a polícia entrar lá, porque é uma região densamente povoada, com características que favorecem a ação criminosa. Quando a polícia entra, o meio criminal já sabe".
Lideranças em Paraisópolis. "Se o 'julgado' for próximo da cúpula, é preciso que tenha alguém do mesmo nível para legitimar esse 'julgamento', de acordo com os termos dos criminosos. Há uma influência muito forte das lideranças do PCC em Paraisópolis", afirma o procurador.
Participação da cúpula em presídios. Segundo a desembargadora Ivana David, do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), os "tribunais do crime" costumam ocorrer com a participação de integrantes da cúpula da facção no sistema prisional por meio de ligações ou videochamadas, em contato com as lideranças que estão nas ruas.
Há notícias de que as lideranças do PCC estão em Paraisópolis. Os criminosos encaram o 'tribunal do crime' como um processo mesmo. O 'réu' pode se defender. É o que eles chamam de 'debate'. Se não convencer aquele 'tribunal', a pena é a morte"
Ivana David, desembargadora do TJ-SP
Lei do silêncio. Ivana diz que as investigações de homicídios ocorridos em "tribunais do crime" não costumam avançar devido à "lei do silêncio" imposta pelo PCC. Segundo ela, testemunhas que relatarem à polícia o que viram também podem ser assassinadas pela facção.
"As investigações não avançam e não são levadas a júri, porque são tratadas como 'autoria desconhecida'.
"Julgamentos" importantes para o PCC em Paraisópolis. Os "tribunais do crime" apontados como mais relevantes pela facção costumam ser levados para a localidade. Isso inclui, também, casos envolvendo membros mais próximos da cúpula do PCC.
Foi o que ocorreu com Cláudio Marcos de Almeida, 50, o Django. Apontado pela Polícia Civil como um dos maiores traficantes de São Paulo, ele foi encontrado morto em janeiro deste ano sob o viaduto da Vila Matilde, zona leste da capital paulista. Investigações apontam que ele teria sido "julgado" em Paraisópolis. Em seguida, seu corpo teria sido levado para o local onde foi encontrado.
Foi lá também que a facção teria assassinado dois homens por suspeita de terem desviado R$ 500 milhões de garagens de ônibus na capital paulista. Os corpos foram encontrados em maio deste ano no porta-malas de um veículo abandonado em Embu das Artes, na Grande São Paulo.
Como foi o caso de assédio denunciado por mulher que disse ter negado beijo a traficante. Karina Martins Bezerra, 26, estava com três amigas em um bar no Itaim Paulista, zona leste de São Paulo, quando disse ter sido assediada por um homem que teria se identificado como traficante do PCC na madrugada de 15 de agosto. Ela revelou ter resistido às investidas do suposto traficante, que tentou beijá-la e agarrá-la à força.
Após ser rejeitado por Karina, o assediador disse "que ela iria ser a mulher dele, por bem ou por mal, que ele era do PCC e que ficaria com quem ele quisesse", conforme detalhou a vítima em seu depoimento à polícia.
Em seguida, ela foi sequestrada e levada a um cativeiro. E só saiu de lá ao ser resgatada por policiais militares, que a levaram à delegacia, onde Karina prestou depoimento.
Na sede do 50º DP (Itaim Paulista), ela identificou seis suspeitos de envolvimento no caso de extorsão mediante sequestro. Três deles já tinham sido condenados por crimes como tráfico de drogas, assalto e associação criminosa. Em depoimento, eles negaram envolvimento no crime.
Áudios obtidos pela reportagem indicam como foi o assassinato. Ela teria sido localizada em Taboão da Serra (Grande São Paulo) e levada a Paraisópolis, dez dias depois de ter sido libertada de um cativeiro pela polícia. "Os 'irmão' [como são chamados os criminosos 'batizados' pelo PCC] já pulou (sic) pra montar um 'tabuleiro' [gíria para citar os 'tribunais do crime']".
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