'Médica disse que eu teria câncer, tomei 11 pontos, mas era mentira'

Pacientes atendidas por uma médica suspeita de emitir laudos falsos de câncer relatam prejuízos financeiros e danos emocionais. Carolina Biscaia é investigada pela Polícia Civil de Pato Branco (PR) —a defesa dela disse que não há provas.

'Levei 11 pontos'

"Ela me desestabilizou e retalhou meu psicológico e o de toda a minha família", disse ao UOL uma analista administrativa, de 33 anos, que se consultou com a dermatologista Carolina Biscaia e preferiu não se identificar à reportagem.

Logo na primeira consulta, a mulher disse ter ficado preocupada com as avaliações da profissional, que logo atestou manchas que poderiam ser cancerígenas.

Quando fui atendida e coloquei minha queixa, um ressecamento de pele, ela veio até mim com um dermatoscópio [instrumento para examinar a pele] e falou que eu tinha duas pintas suspeitas de melanoma, que era muito preocupante e precisava retirar naquele mesmo momento para encaminhar para a biópsia, pois tinham características de malignidade.
Analista administrativa, de 33 anos

Segundo a vítima, a médica fez a retirada da mancha e cobrou o valor de R$ 2.000, alegando que o plano de saúde não poderia cobrir o procedimento.

Cinco dias depois, a mulher conta ter recebido inúmeras mensagens e telefonemas da clínica pedindo que voltasse com urgência. "Tentei ligar para a médica para ter acesso ao resultado pelo telefone, mas informaram que não poderiam passar, pois era urgente e eu precisava aparecer."

Na clínica, segundo a vítima, a médica mostrou o laudo da biópsia que indicava uma "lesão agressiva". "Ela disse que entre um a dois meses eu já estaria com câncer, explicou ainda que as imagens do resultado estavam comprometidas e que precisaria repetir o processo."

A mulher passou, então, por uma nova intervenção. "Paguei mais de R$ 3 mil pelo procedimento e levei cerca de onze pontos." Só depois, a vítima pediu uma segunda opinião —e, então, constatou que os laudos que havia recebido não correspondiam à realidade. Ela buscou a polícia.

Receber a notícia [de risco de câncer] foi difícil, desesperador, angustiante. Ela disse que existiam 70% de células de melanoma em mim. É um câncer de pele maligno, com poder de metástase e alto grau de mortalidade. Eu tive há 11 anos. Quando descobri, já estava em grau avançado, fiz tratamento e sei o quanto foi difícil fisicamente e psicologicamente. Ia ter de começar tudo novamente.
Analista administrativa, de 33 anos

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'Estava desesperada'

Outra mulher, de 38 anos, conta ter vivido situação parecida: ela passou por um procedimento na clínica, em janeiro deste ano. A médica, segundo ela, usou a mesma estratégia de causar pânico, na tentativa de fazer um novo procedimento, dizendo que era algo grave e urgente.

No dia em que eu ia fazer o segundo procedimento com ela, liguei para a clínica e peguei os laudos. Só que o exame não tinha nada e vi que a parte do diagnóstico era diferente do que a médica tinha me mostrado. O laboratório me enviou o mesmo laudo que confrontou [com o da médica]. Disseram que o laudo anterior, da minha médica, não existia, que o laudo verdadeiro era aquele somente. Confirmaram que o laudo oficial era que eu não tinha câncer e nem nada, era só uma manchinha de pele.
Dona de casa, de 38 anos, em entrevista ao UOL.

"Eu estava desesperada, meu marido me acalmou, fomos atrás de uma segunda opinião e deu tudo certo, vimos que não era câncer", contou a dona de casa, que também preferiu não se identificar à reportagem.

Quando a mulher cancelou o procedimento, a médica teria reagido. "Ela me mandou um áudio e disse que eu precisava tirar as manchas, que isso não era brincadeira e que se fosse por causa de valores ela poderia negociar, mas que eu precisava fazer. Só que aí eu já sabia que o diagnóstico era falso e fui até a delegacia para fazer um boletim de ocorrência."

Polícia Civil identificou 22 vítimas

Caso é investigado pela Polícia Civil do Paraná
Caso é investigado pela Polícia Civil do Paraná Imagem: Divulgação
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A investigação começou depois que duas pacientes confrontaram os laudos apresentados e tiveram acesso ao verdadeiro pelo laboratório responsável pela biópsia. Elas procuraram a Polícia Civil e denunciaram a fraude.

No decorrer do procedimento foram identificadas 22 vítimas da médica, segundo a polícia. O titular da 5ª Subdivisão de Pato Branco, Helder Andrade, abriu um inquérito para apurar o caso.

Um mandado de busca e apreensão na casa da médica fui cumprido no dia 26 de fevereiro. Foi apreendida uma grande quantidade de laudos, encaminhados para a perícia, na tentativa de descobrir se eram falsos. A polícia também apreendeu computadores, celulares e documentos.

A médica ainda não foi ouvida, porque, a cada dia que passa, novas vítimas aparecem na delegacia. O inquérito segue no objetivo de ouvir todas as pessoas envolvidas, mas ela será a última e isso deve acontecer no final deste mês. Entendemos que ela pode responder por pelo menos três crimes: falsificação de documentos públicos, estelionato e lesão corporal.
Helder Andrade, titular da 5ª Subdivisão de Pato Branco

A defesa de uma das vítimas afirmou ter protocolado uma ação indenizatória na Justiça, para reparação pelos danos morais sofridos em razão de diagnósticos inexistentes. O advogado André Hamera acompanha as investigações e pretende entrar como assistente de acusação em eventual ação penal proposta pelo Ministério Público.

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Procurado, o CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná) informou que instaurou procedimento sindicante para apurar possível desvio ético cometido pela médica. "Como determina o Código de Processo Ético-Profissional, o trâmite ocorre sob sigilo, assegurando-se os requisitos de contraditório e ampla defesa."

'Estamos preparados para contestar'

A defesa da médica Carolina Biscaia afirmou que, até o momento, não existe nenhuma acusação formal contra ela. O advogado dela, Valmor Antonio Weissheimer, aguarda laudos da perícia técnica.

Sobre as possíveis ações cíveis entendemos que não existem quaisquer provas cabais que possam induzir o juízo a julgá-las procedentes. Com relação ao CRM, iremos comprovar que não restam evidências que possam levar o órgão de classe a qualquer punição em face da profissional. Nossa cliente está calma, porque é sabedora que tudo será esclarecido no momento certo.
Valmor Weissheimer

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