Conteúdo publicado há 1 mês

Lojas e ferros-velhos: como PCC armou ecossistema do crime na 'cracolândia'

Hotéis, lojas, estacionamentos e centros de ferros-velhos e reciclagem faziam parte do "ecossistema" do PCC (Primeiro Comando da Capital) na região da "cracolândia", no centro da capital paulista, segundo investigações do MP-SP (Ministério Público de São Paulo). Ao menos, 45 estabelecimentos são apontados como parte de uma rede criminosa, que vai muito além do tráfico de drogas.

O que aconteceu

A polícia realizou uma megaoperação para desmantelar a rede criminosa que atuava no centro. A operação batizada de Salus et Dignitas (Saúde e Dignidade, do latim) foi comandada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público. Foram cumpridos sete mandados de prisão, 84 de busca e apreensão, 47 de arresto, sequestro e bloqueio de bens e outros 48 de interdição de imóveis. A investigação segue em curso, e ainda não foi oferecida denúncia à Justiça.

Investigação foi dividida pelo MP em cinco núcleos. São eles: núcleo de comércio de armas e milícia e a comunicação; hotéis e hospedarias; ferros-velhos e reciclagens e o núcleo de receptação de celulares e peças roubadas. As atividades criminosas ficariam centralizadas na Favela do Moinho, uma espécie de fortaleza do PCC no centro da capital paulista. (Entenda mais abaixo)

Estabelecimentos estão localizados em Campos Elíseos, Brás, Bom Retiro e República, segundo o MP. Esses distritos estão próximos à "cracolândia", termo designado a área no centro onde há o consumo livre de drogas. Na lista, constam pelo menos três estacionamentos, 11 hotéis, cinco hospedarias, dois cortiços, uma pensão e um hostel, além de outros 23 centros de ferros-velhos e reciclagens. Há também alvos em locais fora da 'cracolândia', como Barra Funda, Limão, Liberdade e em Guarulhos, na região metropolitana, entre outros.

Nós jogamos luz sobre o problema, a existência desse ecossistema criminoso. A maioria desses estabelecimentos não existe, do ponto de vista da regularidade fiscal, e faturam milhões. Então, toda essa estrutura acaba sendo ignorada. Lincoln Gakiya, promotor de Justiça de SP

Instalações hoteleiras e outros imóveis seriam utilizados para práticas criminosas. A investigação aponta que um dos principais articuladores da exploração ilegal seria Leonardo Monteiro Moja, conhecido como "Léo do Moinho", o suposto porta-voz do PCC na Favela do Moinho. Moja seria, por exemplo, o verdadeiro dono da Hospedaria Barão de Piracicaba e de outros inúmeros hotéis e estabelecimentos comerciais —sempre registrados em nome de laranjas. Ele foi preso na operação realizada pelo Gaeco na terça-feira (6).

Os hotéis [no centro] seriam utilizados para traficância e o consumo de entorpecentes. No interior desses estabelecimentos, havia mulheres viciadas e submetidas a situações degradantes. Tudo isso sob o domínio dos antigos porteiros, que se filiaram ao crime organizado para gerenciarem o local e estabelecerem a 'disciplina' do Primeiro Comando da Capital. Trecho do documento do MP encaminhado à Justiça

Os hotéis comandados pelo PCC também são utilizados como prostíbulos, segundo promotores. "A exploração sexual fomenta o ecossistema criminoso da região, o que, aliado ao uso desimpedido e maciço de entorpecentes e a presença de crianças, revelam um cenário de violação sistemática de direitos humanos, a qual só é possível pela possibilidade de utilização de imóveis como estes."

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Galpões viram 'tribunal do crime'

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Ferros-velhos seriam utilizados por dependentes químicos, dizem investigadores. Eles utilizariam os galpões para a prática de crimes, como a receptação de objetos provenientes de furtos e roubos, especialmente fios de cobre. A polícia identificou ainda nesses locais a atuação de um "tribunal do crime".

Nesses locais, funcionariam depósitos de drogas e até um 'tribunal do crime'. O entorpecente seria uma 'moeda de troca' para os objetos subtraídos pelos adictos, que entregariam e receberiam parte em droga e outra em dinheiro. Trecho do documento do MP encaminhado à Justiça

O chamado "tribunal do crime" do PCC promove sessões de tortura em pessoas amarradas e amordaçadas em cativeiros. Em cárcere privado, as vítimas são submetidas ao "veredito" de integrantes da facção criminosa, que atuam como "jurados", decidindo se a vítima será ou não assassinada, como apurou a reportagem do UOL.

Foram registradas ainda, nesses estabelecimentos, denúncias de condição análoga à escravidão e trabalho infantil, "com a presença de crianças em ambientes extremamente insalubres e exercendo atividades laborais".

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Lojas funcionavam como desmanche de celulares

O Ministério Público mirou ainda lojas na Santa Ifigênia, também no centro. A investigação apontou que parte dos aparelhos roubados era desmanchada em estabelecimentos localizados nessa região, conhecida por ser o principal centro de comércio eletrônico na capital paulista.

Esquema semelhante aos desmanches de carros, diz o MP: "A comercialização dos aparelhos celulares se assemelharia, pelo modus operandi, às peças de veículos roubados e furtados, tratando-se de atividade equivalente dos desmanches."

O receptor pagava até R$ 500 por um celular furtado ou roubado. Na sequência, ele é desmanchado, e as peças podem ser vendidas separadamente. Assim, "foi possível montar um aparelho top de linha inteiro, com peças originais e em estado intacto de conservação, por apenas R$ 1.500,00, quando um aparelho novo, desse modelo, custaria por volta de R$ 5.000,00."

Favela do Moinho: a fortaleza do PCC no centro

Favela do Moinho virou base do PCC. Era de lá que funcionava a vigilância e o monitoramento a partir da captação de sinais de rádios transmissores da polícia. Assim, os criminosos conseguiriam se antecipar ou até mesmo despistar ações da polícia na localidade.

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Além disso, direto do Moinho, o PCC estabelecia "manutenção da ordem". O controle era exercido por meio dos "tribunais do crime" e da atividade do tráfico de drogas.

A Favela do Moinho é a única ainda existente na região central de São Paulo. A ocupação surgiu nos anos 1990 e está situada entre dois ramais da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). O nome da comunidade vem do antigo Moinho Fluminense, que funcionava no local.

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