Mais 2 PMs são acusados de homicídio na Operação Escudo; 8 são réus ao todo
A Justiça de São Paulo tornou réus o primeiro-tenente Julio Cézar dos Santos, 38, e o cabo Maykon Willian da Silva, 42, pelo homicídio de uma das 28 pessoas mortas por policiais militares durante a Operação Escudo, na Baixada Santista, no ano passado. À época, eles estavam no 4º Baep (Batalhão de Ações Especiais).
O MP (Ministério Público) acusou os PMs de cometerem homicídio qualificado contra Wellington Gomes da Silva, 32, em uma favela do Sítio Cachoeira, no Guarujá, e de simularem a necessidade de socorro, prejudicando o trabalho da perícia, que foi realizada sem o corpo no local.
A denúncia foi apresentada pelos promotores do Gaesp (Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial) em 15 de julho de 2024. O juiz Edmilson Rosa dos Santos, da 3ª Vara Criminal do Foro de Guarujá, a recebeu e tornou réus os dois PMs em 2 de agosto.
Por meio de nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou não comentar decisões judiciais, mas informou que os policiais Julio Santos e Maykon Silva estão afastados das atividades operacionais.
"As ocorrências de morte durante a Operação Escudo são rigorosamente investigadas, em segredo de Justiça, pelo Deic de Santos e pela Polícia Militar, com acompanhamento das respectivas corregedorias, do Ministério Público e do Poder Judiciário", afirmou a SSP.
Dinâmica da ocorrência
Segundo a acusação, os policiais realizavam uma incursão no Sítio Cachoeira quando viram Wellington Silva com uma arma longa e bandoleira. O MP afirmou que ele atirou contra os policiais e fugiu rumo aos fundos de uma viela.
Houve uma perseguição, narra a denúncia. Quando Wellington Silva chegou próximo de um barraco de madeira, o primeiro-tenente Julio Santos atirou duas vezes com seu fuzil. Wellington entrou no barraco. Depois de também entrar, o cabo Maykon Silva disparou mais três vezes com sua pistola.
Após os tiros, os PMs demoraram cerca de 23 minutos para acionar o resgate, segundo a investigação. "Mesmo com a vítima morta há mais de meia hora, ela foi retirada do local dos fatos e levada ao hospital, onde chegou às 16h32, com óbito constatado logo na entrada", afirma a Promotoria.
O socorro indevido até o hospital dificultou o trabalho pericial que seria realizado posteriormente, a compreensão da dinâmica dos fatos, bem como o confronto com a versão dos denunciados, que alegaram que estavam em legítima defesa.
Trecho da denúncia apresentada pelo MP
Todos os policiais estavam com câmeras corporais. No entanto, elas não gravaram a ocorrência. A bateria do equipamento do cabo Maykon Silva acabou uma hora antes da suposta troca de tiros. E a bateria da câmera do primeiro-tenente Julio Santos acabou dois minutos antes da ocorrência.
O MP requisitou a suspensão do exercício da função pública de policial militar ou o afastamento dos denunciados da atuação operacional externa, permanecendo em trabalho administrativo. O juiz não acolheu, afirmando ser "excessivamente gravoso e desproporcional". O Ministério Público já recorreu.
Além dos dois PMs denunciados, foi arquivada a investigação contra os policiais Marco Antônio Tolotto Moreira e Cícero José dos Santos, que estavam na mesma equipe. Marco estava na ocorrência, mas não fez nenhum disparo, enquanto Cícero se limitou a dirigir a viatura.
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O UOL pediu entrevistas com os dois policiais militares à assessoria de imprensa da SSP, mas o pedido não foi atendido. No entanto, a reportagem teve acesso aos depoimentos que ambos cederam ao MP, em 5 de julho de 2024.
O primeiro-tenente Julio Santos afirmou aos promotores que, na data do fato, observou a movimentação de traficantes armados na região de dentro da viatura. Quando ele e sua equipe desembarcaram para abordá-los, os criminosos correram.
O oficial também disse que, após uma perseguição, viu Wellington Silva armado e de bandoleira. Então, ele afirmou que deu a ordem para ele largar o armamento, mas não foi atendido. O PM narrou que ele e sua equipe foram alvos de tiros e que, por isso, revidou.
O primeiro-tenente também disse que não viu Wellington Silva atirar, mas ouviu. Em 17 anos como policial militar, essa foi a primeira morte decorrente de intervenção policial dele, segundo o relato.
Já o cabo Maykon Silva afirmou ao Ministério Público que, após os disparos do tenente, observou Wellington Silva ainda armado e com a bandoleira. Então, disparou mais vezes e saiu da linha de tiro. Depois, voltou ao local e o desarmou.
O policial foi informado pelos promotores que um tiro que atingiu o queixo do rapaz foi disparado a curta distância e com a vítima já sem sinais de vitalidade. Os últimos tiros foram disparados pelo cabo, que, a todo momento, disse que atirou enquanto o rapaz estava ainda em pé.
"Me causa bastante estranheza o fato do perito interpretar dessa forma, mas o que eu posso precisar, sem sombra de dúvidas, é que o indivíduo estava em pé", disse aos promotores.
Ao longo de 23 anos como policial militar, o cabo Maykon Silva afirmou ter participado de aproximadamente três casos que terminaram em mortes de suspeitos, sendo o último em 2014. Todas as investigações foram arquivadas.
Vítima trabalhou um dia antes de morrer
Um dia antes de ser morto, Silva foi gravado por um colega de trabalho pendurado em uma corda, em cima de um prédio alto da Baixada Santista, sob chuva, trabalhando na reforma do edifício. A gravação foi obtida pelo UOL e publicada na videorreportagem "Por Trás das Câmeras".
Na filmagem, Silva afirma: "mas é isso aí, rapaziada, o negócio é trabalhar. O cara trabalha até na chuva."
Silva trabalhava havia um ano com carteira registrada em uma empresa de restauração predial. No dia em que foi morto, teria pedido ao patrão para ser liberado mais cedo, para conseguir buscar o filho na creche.
A caminho de casa, ele teria sido abordado pela PM, segundo relataram familiares dele à reportagem. Como não devia nada à Justiça, teria sido liberado pelos policiais na sequência.
Os familiares dizem que Silva ligou avisando sobre o que aconteceu, dizendo que se atrasaria para buscar o filho por conta disso.
"Ele foi para casa dele para tomar banho para poder buscar o filho. Aí os policiais bateram no barraco dele. E ele falou: 'senhor, não me mata, porque eu tô trabalhando agora e tenho um filho para criar'", disse uma familiar.
Outra familiar, quando soube, correu até o local do fato. Ao chegar, o corpo já havia sido retirado. "Morreu inocente. Ele estava trabalhando, não estava na vida errada, entendeu? Foi muita covardia. Ainda saiu no jornal muita coisa que ele não fez. A única coisa que ele fez foi levantar a mão e pedir socorro", afirmou.
À época, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) e a Polícia Militar afirmaram que Silva estava com uma submetralhadora e confrontou a polícia.
"As forças de segurança realizavam patrulhamento quando encontraram o suspeito com uma arma longa pendurada no ombro. Ele não obedeceu à ordem de parada e atirou contra os PMs, que intervieram", informou a SSP, em nota, no ano passado.
Oito réus por quatro mortes
Os PMs Julio Cézar dos Santos e Maykon Willian da Silva foram o sétimo e o oitavo policiais denunciados pelo Ministério Público por homicídios praticados por PMs na Operação Escudo.
Em dezembro de 2023, a Justiça tornou réus os policiais militares Eduardo de Freitas Araújo e Augusto Vinícius Santos de Oliveira pelo crime de homicídio duplamente qualificado.
Eles foram acusados de matar Rogério Andrade de Jesus às 7h47 de 30 de julho de 2023, no Morro do Macaco Molhado, na Vila Zilda. A investigação identificou que o rapaz era inocente.
Em abril de 2024, a Justiça tornou réus mais dois PMs da Rota: Rafael Perestrelo Trogillo e Rubem Pinto Santos, acusados de matar Jefferson Junio Ramos Diogo, um homem que vivia em situação de rua no centro de São Paulo, mas apareceu morto no litoral.
As câmeras corporais dos PMs, obtidas pelo UOL, demonstram que os PMs tentaram forjar um tiroteio para cometer o homicídio.
Em julho de 2024, a Justiça tornou réus o cabo Ivan Pereira da Silva e o capitão Marcos Correa de Moraes Verardino. O segundo, além de ser primeiro oficial denunciado, se tratava do coordenador operacional da Operação Escudo.
Eles foram acusados de executar Fábio Oliveira Ferreira, a primeira das 28 pessoas mortas pela PM durante a operação, que teria se rendido na abordagem. A Promotoria também afirma que os PMs apagaram imagens de câmeras de segurança que poderiam ter flagrado a ação.
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