Inflação, fogueteira e morte de Odete: o Brasil da última eleição de 15/11
Com José Sarney no poder, hiperinflação no bolso e Odete Roitman na novela, o ano de 1989 foi o último em que os brasileiros votaram em primeiro turno no dia 15 de novembro. Nos locais em que houve necessidade de segundo turno, a data ainda continuou sendo utilizada até 1996 —desde então, o turno final acontece no último domingo de outubro.
Depois de quase três décadas sem eleições diretas, era a primeira vez que o país ia às urnas para escolher o presidente da República. O clima naquele ano era de uma então incomum empolgação cívica: nas ruas, comícios lotados; nas TVs, debates acalorados.
Neste ano, o Brasil novamente voltará às urnas num 15 de novembro em um primeiro turno, mas agora para eleger prefeitos e vereadores de 5.568 municípios. A mudança da data do primeiro e do segundo turnos — fixada pela Constituição no primeiro e no último domingo de outubro — foi motivada pela pandemia de covid-19 e aprovada pelo Congresso Nacional nesta semana.
Relembre, ou descubra, como era Brasil de 1989:
Bolsonaro entra na política
O ano de 1989 foi o primeiro ano do primeiro mandato conquistado nas urnas pelo presidente Jair Bolsonaro (hoje sem partido). Naquele final de década, Bolsonaro estreou como vereador do Rio de Janeiro, eleito pelo então PDC (Partido Democrata Cristão) — seu filho Carlos Bolsonaro viria a ser em 2016 o vereador mais votado da história da cidade, com 106.657 votos. Em seguida, o capitão reformado do Exército obteve sete mandatos como deputado federal até ser eleito presidente da República e 2018.
Lula e Collor nas urnas, Sílvio fora
Em 1989, 22 candidatos disputaram a Presidência, a primeira eleição direta para presidente depois da ditadura de 1964. Antes do golpe militar, a última vez que os brasileiros tinham votado para presidente foi em 1960, elegendo Jânio Quadros e seu vice, João Goulart.
Nomes emblemáticos da política entraram na disputa, como Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Mário Covas e Paulo Maluf. No fim, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello passaram ao segundo turno. Collor foi eleito, e deposto em 1992 por um processo de impeachment. Lula conseguiu conquistar o Planalto em 2003, após ter sido derrotado em outras duas eleições presidenciais.
Um episódio inusitado ameaçou mudar o desfecho da eleição. O apresentador Sílvio Santos decidiu lançar-se candidato e chegou a ameaçar os primeiros colocados nas pesquisas, mas teve a candidatura barrada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a seis dias do primeiro turno, em 9 de novembro, por coincidência, mesmo dia da queda do Muro de Berlim.
O motivo da queda de Sílvio: o PMB (Partido Municipalista Brasileiro) não tinha promovido convenções em um número suficiente de estados como mandava a legislação.
Plano Verão e hiperinflação
Vivíamos a época da hiperinflação, com a elevação dos preços fechando aquele ano em 1.972,9% — um pote de margarina custava 43 mil cruzeiros e um aparelho de som, 6 milhões —, e dos planos econômicos que tentavam pôr a economia nos trilhos. Em janeiro, o presidente José Sarney lançava o Plano Verão e, com ele, uma nova moeda, o cruzado novo.
A moeda brasileira ainda se chamaria cruzeiro e cruzeiro Real antes da chegada do Plano Real que conseguiu estabilizar a alta nos preços em 1994.
Fogueteira do Maracanã
O Brasil disputava as eliminatórias para a Copa do Mundo contra o Chile e vencia por 1 x 0 a partida no Maracanã, quando um foguete sinalizador foi atirado ao gramado atingindo a área do goleiro chileno Roberto Rojas. Sem que ninguém percebesse naquele momento, Rojas se cortou com uma gilete que trazia nas luvas e fingiu ter sido atingido pelo sinalizador, o que levou ao encerramento da partida aos 24 minutos do segundo tempo e ameaçou a classificação brasileira.
Mas a farsa do goleiro foi descoberta e pouco tempo depois também foi revelada a identidade de quem atirou o rojão. Era Rosenery Mello do Nascimento, que na época tinha 24 anos e ficou conhecida como a "fogueteira do Maracanã".
Mesmo tendo sido presa em flagrante naquele dia, ela acabou libertada depois do descobrimento da farsa e virou capa da revista "Playboy". Em junho de 2011, Rosenery sofreu um aneurisma cerebral e acabou morrendo pouco tempo depois, aos 45 anos, no Rio de Janeiro.
O mistério de Odete
No dia 6 de janeiro as atenções estavam voltadas à solução do maior mistério da novela "Vale Tudo", de Gilberto Braga: quem matou Odete Roitman? Em um contexto de crise, falta de emprego e corrupção, a trama da TV Globo ofi um sucesso de público, que só no último capítulo ficou sabendo quem era o assassino da vilã interpretada pela atriz Beatriz Segall.
O assassinato de Odete, morta com três tiros à queima-roupa, ocorreu no capítulo 193, exibido na véspera do Natal de 1988. O sucesso com a audiência fez a novela ser espichada e cinco finais alternativos foram escritos pelos roteiristas para manter o mistério.
A cena com a revelação do assassino foi gravada no dia em que o último capítulo foi ao ar, poucas horas antes de sua exibição. Outra cena do final do folhetim que marcou época, e tem sido relembrada nos dias de hoje, é fuga do executivo corrupto Marco Aurélio (Reginaldo Farias), que de dentro de deu jatinho dá uma banana para o Brasil.
Nesse mesmo ano, o horário das nove na Globo teve ainda "O Salvador da Pátria", com Lima Duarte como Sassá Mutema, e "Tieta", que acabaria em 1990, com Betty Faria no papel principal e Joana Fomm, como a beata Perpétua.
Naufrágio na Guanabara
O ano de 1989 começou com uma tragédia no mar. Na noite de Réveillon, o barco Bateau Mouche IV naufragou nabaía de Guanabara matando 55 pessoas que estavam a bordo. Entre os mortos estava a atriz Yara Amaral, de 52 anos, que atuou em diversas produções da Globo como Anos Dourados (1986) e Fera Radical (1988), sua última novela.
A embarcação seguia com cerca de 150 passageiros para ver do mar a queima de fogos de Copacabana. Dois laudos — um da Marinha e outro da Polícia Civil — apontaram que o barco estava com excesso de passageiros e uma série de outras irregularidades, como furos no casco, escotilhas abertas e coletes salva-vidas fora do prazo de validade.
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Ex-ditador vem para o Brasil
O general e ditador Alfredo Stroessner se exilou no Brasil ao ser derrubado do poder após 34 anos na Presidência do Paraguai. Stroessner chegou ao comando do país por meio de um golpe de Estado em 1954 e conseguiu mudar a Constituição em 1967 e em 1977 para poder servir oito mandatos consecutivos — foi o mais longevo ditador sul-americano.
Após manter um regime de corrupção, pedofilia, estupros, violações de direitos humanos e perseguição política, o general foi derrubado em fevereiro de 1989 por um grupo de opositores políticos, militares e empresários, com o apoio dos Estados Unidos, que buscava uma transição pacífica no governo do país vizinho. Morto em 2006, aos 93 anos, em Brasília, o ditador foi chamado de "estadista" e "homem de visão" por Bolsonaro em Itaipu no ano passado.
Sequestro de Abílio Diniz
No dia 11 de dezembro de 1989, o empresário Abílio Diniz, na época dono da rede Pão de Açúcar, foi sequestrado no Jardim Europa, zona oeste de São Paulo. Durante seis dias, ficou em poder de dez sequestradores que pertenciam ao MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria), do Chile, e pediam US$ 30 milhões para libertá-lo. Os sequestradores se renderam após o cativeiro, em São Paulo, ser cercado pela polícia. O resgate não foi pago.
A libertação de Diniz ocorreu na véspera do segundo turno da eleição presidencial e a polícia informou ter encontrado material da propaganda eleitoral de Lula numa casa alugada pelos sequestradores. Apesar de não haver qualquer ligação do PT com os envolvidos, o episódio foi apontado como um dos fatores que podem ter desequilibrado a eleição a favor de Fernando Collor.
Posteriormente, a repercussão do crime fez com que o Congresso Nacional alterasse o Código Penal, que passou a considerar o sequestro como crime hediondo e inafiançável.
As mais tocadas
Marisa Monte ("Bem que se quis"), Wando ("Deus te proteja de mim") e Leandro e Leonardo ("Entre tapas e beijos) dominaram o rádio no Brasil em 1989 — no mundo, o que se queria ouvir era Guns n' Roses, com "Patience". Fora das paradas musicais, Angélica ainda aproveitava o sucesso de "Vou de táxi", lançado no ano anterior.
A atual mulher do virtual candidato a presidente em 2022 Luciano Huck lotou o extinto parque de diversões Playcenter, às margens do rio Tietâ, em São Paulo, em janeiro de 1989, num show ao lado do Dominó e Balão Mágico.
Fittipaldi na Indy, Maguila na lona
Em 1989, o piloto e bicampeão de F-1 Emerson Fittipaldi conquistou título inédito da Indy — se tornando o primeiro piloto de fora dos Estados Unidos a ganhar o campeonato disputado nas pistas norte-americanas — e Maguila foi nocauteado pelo lendário norte-americano Evander Holyfield, numa luta de boxe que parou o país. Maguila acabou indo do ringue direto para o hospital.
Em fevereiro daquele ano, o Bahia conquistaria ainda o título do Campeonato Brasileiro de 1988, derrotando o Internacional, e o Vasco, o de 1989, com uma vitória sobre o São Paulo, em dezembro. Já o Brasil, que não ganhava um título em Copa desde 1970, só tinha três campeões mundiais: Santos, Flamengo e Grêmio.
Adeus a Nara Leão e Raul Seixas
Entre as perdas sofridas naquele ano estavam a musa da Bossa Nova Nara Leão, cantora, compositora e instrumentista, aos 47 anos, o "rei do Baião" Luiz Gonzaga, aos 77, e de Raul Seixas, aos 44. Na dramaturgia, da atriz Dina Sfat, 51, deixava saudade.
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