Dinheiro não compra felicidade, diz o ditado. Mas pode pagar equipamentos, estrategistas, equipes de marketing e toda a parafernália disponível no mercado para transformar qualquer campanha mediana em superprodução na TV.
Após a campanha franciscana e vitoriosa de Jair Bolsonaro a presidente em 2018, o Partido Social Liberal (PSL) entrou nas disputas municipais em 2020 como o novo rico da praça. Em Recife, terra do presidente do partido, Luciano Bivar, nem o céu parecia o limite para um dos candidatos com mais acesso aos recursos do fundo eleitoral em todo o país. Era o que o eleitor poderia imaginar ao ver a propaganda de estreia na TV do pesselista Carlos Andrade Lima. A peça anunciava de cara: "O mundo está diferente".
E então o mundo era mostrado no alto, coberto por nuvens, como na abertura de "Bacurau", filme dos também recifenses Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles.
Em vez do povoado sertanejo da trama, a câmera se desloca em queda livre e se aproxima da capital pernambucana com uma profusão de imagens aéreas dos cartões-postais da cidade, bandeiras do Brasil e olhares com vista para o mar até chegar à periferia. Lá, uma moradora, beneficiada pelo auxílio emergencial na pandemia, anuncia: votou 17 para presidente e vai votar 17 agora para prefeito.
Se deu certo com menos dinheiro em 2018, por que a estratégia da legenda, agora que é milionária, não funcionaria, não é mesmo?
A campanha em Recife, estratégica para os planos do PSL e seu presidente, demonstra que a galinha dos ovos de ouro já agoniza.
Jovem, atlético, rico e na moda primavera liberal-na-economia/verão conservador-nos-costumes, o advogado estreante que parece ter sempre saído de alguma barbearia antes de gravar descobriu que no meio do caminho havia uma oligarquia.
Herdeiros da família Arraes, os primos João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) praticamente monopolizam as atenções dos eleitores numa disputa quase fratricida. Filho de Eduardo Campos, morto em um acidente aéreo em 2014, João aparece na liderança do último Datafolha com 31% das intenções de voto. Sua prima vem logo atrás com 21%.
O candidato do PSB, é bem verdade, é quem lidera, entre os candidatos da disputa, o acesso aos recursos do fundo eleitoral. Segundo a plataforma 72horas, que contabiliza os dados a partir das prestações de contas para o TSE, a campanha do pessebista tem no bolso R$ 7,5 milhões.
Com tempo, dinheiro e sobrenome, Campos tem levado à TV um programa que grandes diretores de Hollywood assinariam sem precisar ler a legenda: tem música, ritmo, cores, testemunhos, conversas em família — e, claro, muita, mas muita, imagem aérea.
Já Marília, sua prima, tem feito uma campanha mais modesta, com menos câmeras, mais gravações em estúdio e muitas fotos ao lado do ex-presidente Lula. Ela recebeu até aqui R$ 1,7 milhão do fundo — menos da metade do concorrente do PSL, que abocanhou R$ 4,2 milhões e ostenta apenas 1% na mesma pesquisa.
Se as projeções se confirmarem, e todos os 1.157.324 eleitores recifenses comparecerem às urnas em 15 de novembro, Carlos Andrade terá gastado quase R$ 362 para cada voto que receber. Más línguas dirão que com essa matemática é melhor ficar longe do orçamento do município.
Não terá sido o único caminhão de dinheiro público para fazer figuração na campanha. Dos 25 candidatos com mais recursos ao fundo eleitoral até aqui, a plataforma 72horas mostra que 7 são do PSL — inclusive Joice Hasselmann, que recebeu R$ 5,9 milhões para concorrer à prefeitura de São Paulo, também levou uma superprodução à TV e às redes sociais e ainda está na rabeira nas pesquisas. Nenhum dos novos ricos do PSL é favorito em suas disputas.
Isso porque na campanha, como na vida, dinheiro não é garantia de status, bom gosto ou sobrenome.
Pode até bancar superproduções. Mas nem tudo que se compra em ouro reluz como voto.
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