Milícia nas urnas: Grupos cobram 'taxa eleição' para bancar campanhas no RJ
Moradores de áreas dominadas por milícias no Rio de Janeiro relatam que grupos paramilitares adotaram novas cobranças e até reajuste de taxas já existentes para financiar campanhas de seus candidatos.
Os relatos de extorsão relacionados às eleições constam, juntamente com denúncias de compra de votos e homicídios com motivação política, em relatório sobre crimes eleitorais no estado do RJ elaborado pelo Disque Denúncia a pedido da reportagem. Encaminhadas à Polícia Civil, as informações —que omitem identidade e local— estão sob investigação.
Capítulo 2 - Mesmo atrás das grades, bombeiro acusado de chefiar milícia e investigado por homicídio busca reeleição para vereador
Moradores da Baixada Fluminense também relataram ao UOL casos de aumento de taxas para bancar campanhas.
Os serviços ficam mais caros, porque a milícia precisa financiar essas campanhas. Há aumento na cobrança do gás, do gatonet, da taxa de segurança... Não podemos fazer campanha, panfletar ou falar de um concorrente. E ainda somos obrigados a receber o candidato da milícia em casa
Moradora de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense
A mulher, que pediu para não ser identificada, revelou outras formas de coação adotadas por milicianos: eles obrigam moradores a usar camisas do "candidato da milícia", participar de carreatas e colocar adesivos nos imóveis e veículos.
"A ameaça é velada. Eles dizem: 'A gente domina essa área e você precisa apoiar'. Se o candidato não tiver a quantidade de votos que eles querem, os moradores são cobrados", disse.
O relatório do Disque Denúncia cita o caso de moradores de uma região obrigados a pagar uma taxa mensal de R$ 40 para arcar com um portão que bloqueou o acesso à rua.
Segundo moradores, a medida foi adotada justamente para bancar uma campanha. O local do crime não foi revelado.
As denúncias estão sendo investigadas por uma força-tarefa da polícia criada para coibir a intervenção das milícias nas eleições. "O nosso objetivo é garantir que a população possa exercer o seu direito de voto de forma livre", diz o delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da Polícia Civil.
Compra de votos por R$ 100
O relatório do Disque Denúncia foi elaborado com base em 543 denúncias registradas entre 1º de janeiro e 25 de outubro, sob a condição de anonimato das vítimas.
A partir das narrativas dos moradores, nossos relatórios permitem que a polícia possa entender o que está acontecendo nessas regiões e investigar
Zeca Borges, coordenador do Disque Denúncia
Uma em cada três denúncias é sobre compra de votos, que aparece com maior incidência entre os relatos, seguida de propaganda irregular (11%), extorsão (10%), curral eleitoral (10%) e ameaça (9%) e homicídio (6%).
A maioria dos casos de extorsão de dinheiro de moradores está relacionada à arrecadação para arcar com os gastos de campanha eleitoral do candidato da milícia.
As informações vão de realizações de obras, colocação de asfalto e instalações de portões para fechar a rua
Trecho do relatório do Disque Denúncia
De acordo com o serviço, há o relato de que um candidato anota nomes de moradores para comprar votos por R$ 100. Também foi possível identificar casos de distribuição de cestas básicas, botijões de gás de cozinha, oferta de empregos e até de advogados.
Segundo depoimentos anônimos, os candidatos oferecem vantagens na área de saúde, como distribuição de testes rápidos para covid-19, medicamentos, vaga em hospitais, marcação de consultas e cirurgias.
Projeto de poder, dizem especialistas
O delegado aposentado Cláudio Ferraz, que chefiou a Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas) de 2007 a 2011 e se especializou no combate às milícias, não se surpreende com a ação dos grupos paramilitares nas eleições.
A milícia tem um projeto de poder político para que possa funcionar aos moldes da máfia. Com um candidato eleito, aumenta o leque de serviços explorados ligados ao sistema político e administrativo. E, aumenta também a impunidade
Cláudio Ferraz, delegado aposentado
"Denúncias de compras de voto não são surpreendentes. Todos os grupos armados que controlam o território controlam também as campanhas políticas", analisa o sociólogo Ignácio Cano, autor de estudos sobre o avanço das milícias no Rio.
Candidato morto em área dominada pela milícia
A morte do candidato a vereador Domingos Barbosa Cabral, assassinado na tarde de 10 de outubro no bairro de Cabuçu, em Nova Iguaçu, consta no relatório como um dos casos supostamente relacionados a uma disputa por território no pleito. Na sexta-feira (6), a Polícia Civil fez uma operação para buscar informações sobre o caso.
O MP-RJ (Ministério Público do Rio) investiga se há relação entre o crime e uma disputa de poder envolvendo a milícia conhecida como Bonde do Ecko, uma das maiores organizações criminosas do país.
Suspeito de integrar um grupo paramilitar, Domingos estaria sendo visto como ameaça para a quadrilha, caso fosse eleito. A região, aliás, aparece no relatório como uma das áreas mais citadas sob o domínio da milícia.
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