Campanha em SP afasta Boulos de Lula e indica mudanças na esquerda
Na tarde da última terça-feira (10), quem via Guilherme Boulos (PSOL), 38, caminhando pela rua Barão de Itapetininga, no centro paulistano, talvez demorasse a identificar que ali estava um candidato a prefeito de São Paulo.
Boulos só começou a ser mais abordado por pedestres quando chegou perto do ponto escolhido para cumprir o compromisso de rua do dia: um tira-dúvidas com eleitores paulistanos. Com a presença de bandeiras e alto-falante transmitindo músicas da campanha, foi possível começar a ouvir pessoas que transitavam pelo local dizendo: "É o Boulos? É o Boulos!".
Apesar de ter passado boa parte da campanha como terceiro colocado nas pesquisas de intenção de voto —atualmente, é numericamente o segundo—, o candidato do PSOL era o menos popular entre os ocupantes dos quatro primeiros lugares.
No final de outubro, o Datafolha indicava que Boulos não era conhecido por quatro em cada dez eleitores paulistanos. Bruno Covas (PSDB) e Celso Russomanno (Republicanos), por sua vez, eram figuras já familiares para praticamente todo o eleitorado, com taxas superiores a 97%. E Márcio França (PSB) era desconhecido por 21% do eleitorado.
Por isso, nas agendas, o candidato sempre fazia questão de se apresentar ao interagir com alguém, mesmo que isso fosse no bairro em que mora há sete anos, na zona sul da capital. "Oi, eu sou o Guilherme Boulos, moro aqui no Campo Limpo, sou candidato a prefeito", foi uma das frases que ele mais repetiu na última quinta-feira (12).
O fato de ele ainda ser desconhecido na periferia chamou a atenção ao longo da campanha em razão de sua trajetória no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto). A culpa, porém, segundo membros da campanha e do próprio candidato, era o pouco tempo no horário eleitoral: 17 segundos.
"Acho que o Boulos tem apelo para a periferia, mas chegar à periferia sem meios de comunicação de massa é difícil. E a massificação às vezes só se dá pelos grandes meios de comunicação", diz o deputado federal Ivan Valente, um dos responsáveis por atrair o candidato para o PSOL, em 2018.
Esquerda social com esquerda partidária
A busca por Boulos foi em razão do trabalho do candidato no MTST e na busca por reposicionar o PSOL no jogo político, afirma o presidente nacional do partido, Juliano Medeiros. Ele lembra que as duas organizações começaram a se aproximar em 2013, com o início dos protestos contra os gastos para a Copa do Mundo realizada no país há seis anos, e se intensificaram após o processo de impeachment que tirou Dilma Rousseff (PT) do Planalto em 2016.
"[Então] se estabeleceu um diálogo mais intenso com a necessidade de pensar o futuro da esquerda. O partido hegemônico [PT] dava sinais de fadiga política", diz Medeiros. A união entre PSOL e MTST teria a "esquerda social com a esquerda partidária pós-petista".
Os movimentos sociais também ganhavam força, ocupando um espaço que era dos sindicatos, que começaram a encolher após a reforma trabalhista e com "a acomodação no governo Lula", observa Valente, citando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ligação com Lula
Já Boulos começou a crescer no ambiente político a partir da defesa de Lula em relação aos processos em que o petista virou réu na Operação Lava Jato. O candidato, inclusive, teve participação no episódio de resistência à prisão do petista, em abril de 2018. Desde, então, as figuras dos dois passaram a se misturar.
Por isso, Boulos é visto como petista e sucessor de Lula por alguns. Ele, porém, além de já ter recusado convites para se filiar ao PT, feitos até pelo próprio Lula, sempre condena a falta de autocrítica sobre suas gestões no governo federal, em que fez alianças com partidos de centro e esteve envolvido em esquemas de corrupção.
"O pessoal traça esse paralelo, até pelos caminhos [de Lula e Boulos]. O Lula era um líder sindical", diz o infectologista Marcos Boulos, pai do candidato e líder de movimento social. "Eles são amigos. O fato é que... existem identidades, mas identidade de liderança, que pensa o social."
Essa correlação [com Lula] é feita como uma tentativa de enfraquecer um projeto de uma nova esquerda. Nossos adversários ficam o tempo todo tentando nos vincular a erros de um projeto que não é o nosso
Juliano Medeiros, presidente do PSOL
Novo líder da esquerda?
Independentemente do resultado de domingo (15), Boulos terminará esta eleição com sua imagem mais dissociada da do petista. E, mais do que isso, com uma nova projeção política. "Ele se consolida como a principal liderança da esquerda em São Paulo", diz Medeiros, que evita projetar o futuro de Boulos à espera do resultado do pleito municipal.
[O desempenho em 2020] fortalece o projeto de renovação da esquerda. E enfraquece essa tentativa de permanente associação com outros partidos que já estiveram no poder
Juliano Medeiros, presidente do PSOL
Campanha com humor
O papel hoje ocupado por Boulos tradicionalmente seria o de um candidato petista. E o candidato do PSOL tem nas redes sociais uma das razões para ter conseguido inverter o jogo na esquerda nesta eleição. Além de ser o candidato da esquerda mais forte nas redes sociais, Boulos conseguiu se conectar com o eleitorado mais jovem, que tem sustentado sua candidatura.
E foi pensando no jovem que sua campanha apresentou uma nova linguagem. Nas redes sociais, ela criou ou adaptou formatos de programas de televisão. Há vídeos em que Boulos, escondido, ouve críticas de eleitores e depois surge para dialogar com eles, clipes com piadas, e até um mascote.
Ao longo da campanha, Boulos teve de enfrentar o estigma de ser visto por alguns como invasor em razão das ocupações promovidas pelo MTST. Ele usou isso para criar uma ação chamada "Boulos invadiu minha casa e meu coração". E, nas ruas, os militantes investem em um trocadilho que cita seu possível adversário no segundo turno. "Quem gosta de Covas é defunto. O povo gosta é de Boulos."
"Sua comunicação é não-ideológica, com humor, com certa ironia, deixando aquela visão tradicional dos candidatos de esquerda", diz o consultor de marketing político Marco Iten.
Mas na busca por se tornar conhecido, algumas de suas agendas de rua geraram aglomerações, o que motivou até uma chamada de atenção por parte do MPE (Ministério Público Eleitoral). Apesar de usar máscara, Boulos teve a mão apertada e foi abraçado por eleitores ao longo da campanha, práticas não recomendadas em um momento de pandemia.
"Ele não só vai sair dessa eleição com uma taxa de conhecimento maior mas vai lançar o discurso que ele queria para o país", diz Boulos pai. O infectologista lembra que o filho passou um período sem um norte até se encontrar no movimento social, em 2002. "Ele se encantou com a possibilidade de fazer justiça social."
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